Em ocasião dos concertos em São Paulo, nos dias 21 e 22 de novembro de 2025 (garanta seu ingresso aqui: https://www.eventim.com.br/), tivemos a honra de entrevistar Andrea Bocelli, o maior tenor dos nossos tempos e um dos maiores de sempre.
Nessas dez perguntas abordamos temas como vida pessoal, sonhos para o futuro, o trabalho filantrópico por meio da Andrea Bocelli Foundation e a relação com o Brasil e com o público brasileiro, bem como impressões sobre as diferenças entre português e italiano no âmbito do canto – sendo uma escola de língua e cultura italianas não podíamos nos furtar de pedir ao Maestro sua opinião sobre esses temas!
A tradução está traduzida em português logo abaixo. A versão original, em italiano, está disponível em nosso canal no Youtube no link: https://youtu.be/yrPPWh2Kxjs?si=7-VaOUEMu4e4Jt0t
Boa leitura!
ITALICA: Maestro, nós trabalhamos com o ensino da língua italiana e frequentemente convidamos nosso público a refletir sobre as principais características distintivas desse idioma. Acreditamos que essa abordagem pode ajudar muito no aprendizado, pois comparar a língua que se estuda com a própria língua materna é uma estratégia eficaz (especialmente no caso dos nossos alunos, que falam português e encontram muitas afinidades com o italiano). Dito isso, gostaríamos de lhe perguntar: na sua opinião, o que torna o italiano tão musical e adequado ao canto lírico?
ANDREA BOCELLI: Cada idioma carrega consigo muitas potencialidades expressivas e uma musicalidade própria. No entanto, é inegável o fato de que foi justamente em torno da língua italiana que, há quatrocentos anos, nasceu o melodrama… Uma forma musical que, não por acaso, mantém um vínculo estreitíssimo com a palavra, com a musicalidade intrínseca (e a suavidade, e a sedução) da língua italiana.
Cada vogal, cada sílaba, parece nascer de uma respiração que tende naturalmente à ressonância eufônica… É como se essa língua tivesse sido concebida não apenas para ser falada, mas para ser entoada: apoia-se na respiração, suas vogais abertas, amplas, luminosas, abrem naturalmente a garganta, enquanto as consoantes nunca soam excessivamente duras – esculpem a palavra sem feri-la.
De certo modo, o italiano é um idioma, mas também um instrumento musical. Nós, cantores, temos o privilégio de fazê-lo ressoar.
ITALICA: Como o senhor vê o português? Quais são, em sua opinião, as dificuldades e as belezas particulares de cantar nessa língua e – se nos permite uma pergunta muito direta – por que o senhor gravou muito mais canções em espanhol do que em português?
ANDREA BOCELLI: Já declarei isso muitas vezes também em outras regiões do mundo e fico feliz em repetir aqui: o português é uma língua lindíssima, musical e sensual.
Oferece, ao menos aos meus ouvidos, sonoridades suaves que lhe conferem um caráter íntimo e, por vezes, um tanto melancólico. Nasce do mesmo tronco latino, e há alguns de nossos dialetos italianos (tanto do sul quanto lígures, por exemplo) que às vezes apresentam “parentescos” evidentes.

Andrea Bocelli e Roberto Carlos
Cantar em português, no entanto, exige uma atenção adequada à dicção… Talvez por isso eu tenha gravado mais canções em espanhol – idioma cujos sons, abertos e claros, são parentes mais próximos do italiano -, enquanto o português traz consigo um risco maior de que a pronúncia soe incerta e, portanto, de que o resultado final não seja o ideal.
Espero compensar isso em breve! De todo modo, repito: a língua de vocês possui uma nobreza, uma nostalgia e uma delicadeza capazes de proporcionar momentos de pura magia.
ITALICA: O senhor poderia nos falar um pouco sobre sua relação com o Brasil e com o público brasileiro? Antes de vir aqui pela primeira vez, imaginava a quantidade de ítalo-brasileiros e de pessoas que se sentem ligadas à Itália?
ANDREA BOCELLI: No Brasil, nunca me senti um estrangeiro. Aqui comemorei, há alguns anos, meus sessenta anos; aqui vivi momentos inesquecíveis; aqui encontrei, pontualmente, pessoas maravilhosas.
Esta será, se não errei nas contas, a minha sétima ou oitava turnê, e todas as vezes aguardo com grande expectativa o momento em que poderei estar novamente em suas arenas e abraçar tantos amigos.
Quanto aos ítalo-brasileiros, eu já tinha conhecimento das várias ondas e tipologias de migração dos meus compatriotas, a partir da segunda metade do século XIX e depois ao longo do século XX.
Porém, uma coisa é estudar o fenômeno nos livros; outra, muito diferente, é constatar pessoalmente como a comunidade ítalo-brasileira continua até hoje tão viva e ativa, moldada por valores sólidos…
Uma comunidade imponente, tanto em número quanto em peso cultural, que soube testemunhar e divulgar no continente latino a italianidade tout court, em sua acepção mais nobre — da língua à cultura, do amor pela família ao amor pelo trabalho.
E tudo isso com uma vitalidade extraordinária: nas tradições, na culinária, na música, na fraternidade civil, na solidariedade e na coesão social.
ITALICA: O senhor já interpretou tanto obras líricas quanto canções de música popular. De que modo muda sua abordagem quando canta Verdi, por exemplo, em comparação a uma canção contemporânea?
ANDREA BOCELLI: Começo dizendo que o denominador comum das minhas escolhas é a busca pela qualidade: sempre procurei selecionar meu repertório sem preconceitos, perseguindo e divulgando a beleza onde quer que ela habitasse.
Além disso – como não me canso de repetir – existem peças clássicas tão belas que se tornam populares, e, inversamente, há músicas chamadas “leves” tão belas que ascendem à categoria de “clássicas”.
Do ponto de vista técnico, entre a emissão vocal natural – aquela usada na música pop – e a emissão com impostação lírica, as diferenças são menores do que possa parecer.
No meu caso, uma certa versatilidade do instrumento vocal me permite enfrentar a ópera (e, dentro dela, transitar do repertório belcantista ao verismo), mas também o pop, sem grandes dificuldades.
A música lírica exige estudo constante e meticuloso, um aprofundamento contínuo – técnico, mas não só -, enquanto a música popular requer instinto, impulso emocional e improvisação.
Quando canto uma ária de Giuseppe Verdi, sinto a responsabilidade e a honra de restituir uma peça concebida por um dos maiores gênios da humanidade – alguém que, talvez melhor do que qualquer outro, soube narrar, em música, a poesia e os dramas das paixões humanas…
Em suas obras, há uma estratificação de saberes que, de certo modo, o intérprete deve conhecer: estamos falando de um grande protagonista do século XIX que não se limitou a testemunhar as mudanças culturais e sociais de seu tempo, mas contribuiu ele próprio, com vigor, para realizá-las e difundi-las.
Já ao se aproximar da música pop, é preciso se abandonar ao que a canção sugere, convocando aquele talento um pouco cigano que todo artista traz dentro de si.
ITALICA: Sua família está muito presente em seus projetos. Quanto esse aspecto influencia o seu percurso artístico?
ANDREA BOCELLI: A família é a minha força, é uma bênção.
Acredito na instituição da família como o principal alicerce da sociedade, capaz de nos ensinar a amar aquela outra família, muito maior, que acolhe todas as irmãs e irmãos que habitam o nosso planeta conosco.

Veronica tem um papel essencial, tanto no trabalho quanto na vida familiar…
Quanto aos meus filhos, são minha primeira prioridade e exerceram uma forte influência sobre mim – e, portanto, também sobre a minha abordagem interpretativa.
Indiretamente, eles me ensinaram muito sobre a maravilhosa responsabilidade da paternidade e sobre a força educativa que se pode expressar através do exemplo.
Além disso, tive o privilégio inesperado de poder fazer música, nesta fase da minha vida, junto com meus filhos – e considero isso mais um grande privilégio, um presente que a vida me concede.
É difícil descrever a dimensão da minha alegria quando estou no palco e, ao mesmo tempo, “em família”.
ITALICA: Podemos considerar seu filho Matteo como seu herdeiro artístico? Como o senhor vê seus próximos passos no mundo da música?
ANDREA BOCELLI: Matteo é, em todos os aspectos, meu colega – um artista brilhante e maduro, que já conquistou reconhecimentos importantes.
É um profissional consolidado no cenário internacional, um artista com personalidade própria e bem definida, que, onde quer que cante, recebe calorosas demonstrações de apreço.

Eu mesmo pude testemunhar de perto o entusiasmo que a voz e a música de Matteo despertam, especialmente entre os jovens.
Ele já iniciou uma nova turnê, levando pelo mundo a música de seu mais recente álbum, “Falling in Love” – um disco lançado há poucas semanas, mas que já vem alcançando grande sucesso.

Sua decisão de seguir profissionalmente os passos do pai – carregando, portanto, um sobrenome de grande peso, que pode facilitar mas também complicar, o que é uma arma de dois gumes – parece-me uma aposta vencida, e isso me deixa muito feliz.
ITALICA: O grande público conhece bem a sua carreira musical, mas nem sempre os outros projetos em que o senhor está envolvido. Poderia nos falar sobre a “Andrea Bocelli Foundation” e sobre como ela pode ser apoiada?
ANDREA BOCELLI: A fundação que leva o meu nome nasceu em 2011.
Com a missão “empowering people and communities” (fortalecer pessoas e comunidades), escolhemos a educação como verdadeira chave de empoderamento, para oferecer a indivíduos e comunidades a oportunidade de escreverem a melhor história possível de suas vidas.

Em essência, trabalhamos para que todos possam ter oportunidades de crescimento e de valorização de seus talentos.
A ABF é uma realidade que superou as nossas mais otimistas expectativas e que, em seus primeiros quatorze anos de existência, cresceu de forma exponencial.
Hoje conta com quatorze sedes no mundo e cinquenta e três projetos ativos (alguns dos quais espero que, em breve, possam chegar também à América do Sul), com oitocentos mil beneficiários diretos e cerca de 3,6 milhões de beneficiários indiretos.
São números que expressam e documentam aquilo em que acreditamos: a inovação social e a emancipação através da educação, com o objetivo de criar oportunidades, promover a dignidade e ampliar a expressão das potencialidades individuais.
Todos nós podemos fazer algo pelos outros, cada um de acordo com os meios de que dispõe.
Por exemplo, doando algo ainda mais precioso do que o dinheiro – porque não se pode comprar -, ou seja, uma parte do próprio tempo.
ITALICA: O senhor tem uma carreira extraordinária, repleta de recordes, reconhecimentos, prêmios e números impressionantes. Ainda existe um sonho que o senhor não realizou?
ANDREA BOCELLI: Estou em débito com a vida, não em crédito.
Recebi muitíssimo – mais do que fui capaz, até hoje, de retribuir.
O que posso fazer, diariamente, é levantar os olhos ao Céu e agradecer; e pedir ajuda; e, com humildade, murmurar: “Seja feita a tua vontade”.

Andrea Bocelli na inauguração de sua estrela na Calçada da Fama em 2010
Para mim, portanto, não há sonhos guardados na gaveta.
Mas, para nossos filhos, para as futuras gerações, sim – sonho com um mundo sem guerras, onde o bem vença o mal; onde o ser humano seja capaz – por meio dos progressos da medicina – de vencer a dor; onde se possa acolher e celebrar, em serenidade, esse dom extraordinário que é a vida.
ITALICA: Quem é Andrea Bocelli no tempo livre? O que o senhor gosta de fazer quando não está envolvido com a música? O senhor pôde viver alguma bela experiência pessoal no Brasil?
ANDREA BOCELLI: Sou uma pessoa absolutamente normal, nos hábitos e nas relações. Por natureza, eu seria, não digo “preguiçoso”, mas um pouco caseiro… No sentido de que me sinto bem em casa, com a família, com minha esposa e meus filhos. Quanto ao tempo livre, gosto de cavalgar, sou apaixonado pelo mar, torço por futebol, mas também por boxe, sou um leitor assíduo, um jogador de xadrez razoável, gosto muito de poesia e, já há muitos anos, me dedico a escrever versos.
O Brasil me presenteia praticamente todos os dias com belas experiências… Aqui recebi demonstrações de afeto maravilhosas, vivi momentos de oração muito potentes; aqui encontro diariamente pessoas de coração de ouro – puras, autênticas, gentis e, muitas vezes, de grande fé… E esses encontros – sejam na rua ou nos bastidores de um concerto – me devolvem uma energia enorme.
ITALICA: Para concluir, o senhor poderia fazer um convite ao nosso público para os concertos de novembro? Haverá alguma novidade em relação aos concertos anteriores?
ANDREA BOCELLI: Gostaria de cumprimentá-los com carinho e enviar um abraço a cada um de vocês. Quero agradecer pelo afeto e pela confiança que me dedicam e dizer que espero com ansiedade o momento em que terei a alegria de encontrá-los. Quanto aos meus concertos, eles seguem uma estrutura básica já consolidada, com uma primeira parte dedicada a algumas das mais conhecidas obras-primas da ópera (muitas delas italianas) e uma segunda parte voltada para as canções populares, inclusive napolitanas, e aquelas músicas que o público mais ama e mais espera ouvir na minha voz.

Gostaria, porém, de destacar que cada concerto é, na realidade, um evento único, algo memorável e irrepetível – especialmente para mim. E tenho certeza de que os encontros brasileiros de novembro serão exatamente assim: junto com vocês, amigos e amigas da ITALICA, celebraremos mais uma vez a beleza através da música. E, se depois do concerto vocês voltarem para casa um pouco mais serenos, talvez com um sorriso nos lábios, ficarei feliz – pois terei então atingido o meu objetivo.


