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Os fascinantes sassi de Matera, a cidade que renasce

Os fascinantes sassi de Matera, a cidade que renasce

Na região montanhosa da Basilicata, no sul da Itália, encontra-se uma cidade que parece ter surgido de um filme de fantasia. Matera, com sua paisagem única de cavernas esculpidas nas colinas, é um dos destinos mais fascinantes e exclusivos da Itália. São conhecidos como “sassi”, porque o termo deriva do latim “saxum“, que significa “colina” ou “grande pedra“. São casas construídas umas sobre as outras, unidas por ruas sinuosas e escadarias íngremes, habitadas desde a antiguidade até o meio do século passado.

Esses antigos assentamentos humanos nas grutas e nas ravinas oferecem uma visão extraordinária da convivência harmoniosa entre a humanidade e a natureza ao longo dos séculos, mas é também um caminho para conhecermos a história de desafios de sobrevivência e, especialmente, da superação de Matera, cidade que era chamada de “uma vergonha nacional”, até se tornar orgulho e patrimônio mundial.

Os primeiros assentamentos

A história de Matera remonta a milênios, com evidências de assentamentos humanos na área que datam de mais de 10.000 anos atrás. A cidade é considerada uma das mais antigas a terem sido continuamente habitadas. Os primeiros habitantes escavaram as colinas rochosas para criar abrigos nas grutas naturais. Com o tempo, essas cavernas foram expandidas e adaptadas para a vida humana.

Sassi de Matera

A singularidade dos sassi de Matera reside na sua arquitetura de pedra crua, que se mistura perfeitamente com a paisagem circundante. As casas, igrejas e lojas são escavadas diretamente nas encostas das colinas, criando um cenário impressionante de habitações interconectadas. As ruas estreitas serpenteiam pelas ravinas, e as praças oferecem vistas deslumbrantes das formações rochosas e das planícies circundantes.

O renascimento dos sassi

No século XX, Matera passou por um período sombrio, com condições de vida nas cavernas que eram insalubres e inadequadas para os padrões modernos. Em 1952, o governo italiano tomou medidas drásticas, realocando a população das grutas para novos bairros. A cidade foi parcialmente abandonada e ganhou a reputação de “vergonha nacional”.

No entanto, a situação começou a mudar nas décadas seguintes. Nos anos 80, projetos buscaram soluções, como a do financiamento de famílias que quisessem viver na cidade. E em 1993, a UNESCO reconheceu o valor dos sassi de Matera, declarando-os Patrimônio Mundial. Esse reconhecimento trouxe uma nova luz à cidade, levando ao investimento em restaurações e a gradual revitalização dos espaços públicos. Os “sassi” começaram a atrair artistas, artesãos e visitantes curiosos, que viram o potencial de Matera como um local de beleza e história incomparáveis.

Um cenário de cinema

Locação do filme Evangelho Segundo São Matheus
“O Evangelho segundo São Mateus” (1964) – Bastidores, o diretor Pasolini ao fundo

Os sassi de Matera não são apenas um marco arquitetônico, mas também um cenário cinematográfico impressionante. A cidade tem uma aura única que a tornou um local ideal para representar cenários bíblicos e históricos, assim foi no princípio, quando filmes famosos foram filmados ali, incluindo “O Evangelho segundo São Mateus” (Pier Paolo Pasolini, 1964), “A Paixão de Cristo” (Mel Gibson, 2004), “The Nativity Story” (Catherine Hardwicke, 2006 ) e “Ben-Hur” (Timur Bekmambetov, 2016). Depois dessa popularização, outros gêneros viram no espaço de Matera a estética ideal para suas histórias, como “007 – Sem Tempo para Morrer” (Cary Fukunaga, 2021). E paisagens de Matera foram até utilizadas como ambientação na criação da fictícia cidade de Themyscira, nas gravações de Mulher-Maravilha (Patty Jenkins, 2017).

Locação 007 em Matera
007 – Sem Tempo para Morrer (2021)
Filme 007 em locação em Matera
Matera foi locação do filme 007 – Sem Tempo para Morrer (2021)

Os “sassi” proporcionam uma atmosfera nostálgica que enriquece a narrativa e a estética dos filmes. A cidade continua a atrair cineastas de todo o mundo, que buscam a autenticidade e a beleza das locações naturais de Matera.

Turismo responsável e sustentabilidade

Com o aumento do turismo, Matera enfrentou o desafio de equilibrar a preservação de seu patrimônio histórico com a necessidade de desenvolvimento econômico. As autoridades locais estão comprometidas em garantir que o turismo seja sustentável e benéfico para a cidade e seus habitantes. Restrições cuidadosamente gerenciadas ao desenvolvimento e regulamentos de restauração garantem que a autenticidade dos “sassi” seja mantida.

Matera agora oferece uma experiência única para os visitantes, com acomodações em hotéis espetaculares nas grutas e com restaurantes que servem pratos tradicionais. Os passeios a pé pelos “sassi” permitem que os turistas mergulhem na história e na cultura da cidade.

Hotel na gruta em Matera
Experiência em Matera

Poder ver de perto essas estruturas, e entender os caminhos que a humanidade precisou trilhar para constituir sociedades e culturas, é testemunhar a capacidade humana de se adaptar ao ambiente de maneira criativa e sustentável. Em Matera, os turistas fazem uma viagem pela História, podendo olhar não apenas para um passado difícil, mas também para o futuro, vendo no presente uma possibilidade de redenção.

Por todas essas razões, pudemos entender como é importante a preservação cuidadosa do patrimônio de Matera, para que as futuras gerações possam apreciar a beleza e a singularidade deste local fascinante. Matera é verdadeiramente um tesouro italiano que merece ser descoberto e admirado.

Aproveite para assistir ao nosso registro feito em Matera, quando gravamos as descobertas do Prof. Darius, acompanhado da guia turística local, Giusy Schiuma, que apresentou tudo e mais um pouco dessa cidade incrível!

Clique aqui e viaje conosco! 

Buona visione!

A presto!

Carnaval de Veneza: encanto histórico das máscaras e das águas

Carnaval de Veneza: encanto histórico das máscaras e das águas

O Carnaval de Veneza é uma das celebrações mais icônicas e encantadoras da Itália e do mundo. Neste ano, acontecerá de 09 a 13 fevereiro. Esta festa extravagante, conhecida por suas elegantes máscaras e trajes elaborados, tem raízes profundas na história veneziana e atrai visitantes de todo o planeta. Vamos explorar a fascinante história e as tradições que tornam o Carnevale di Venezia uma experiência única.

Origens do Carnaval de Veneza

As origens do Carnaval de Veneza remontam ao século XI, quando a República de Veneza era um dos principais centros comerciais e culturais da Europa. A festa originalmente marcava o início da Quaresma, um período de jejum e abstinência antes da Páscoa. Durante o Carnaval, como é comum em todas as festividades carnavalescas desde a Idade Média, as restrições sociais eram suspensas, permitindo que as pessoas de todas as classes sociais se misturassem anonimamente. Esse é um elemento importante que descreve os movimentos de carnavalização, a superação das classes por meio da fantasia, da máscara e das variadas inversões de papéis que colocam os indivíduos diante da possibilidade de serem outras pessoas durante a festa. É então no espaço público que essas pessoas descobrem outras maneiras de ser e de pensar.

Desfile do Carnaval de Veneza

Máscaras e disfarces

Uma das características mais distintas do Carnaval de Veneza é o uso de máscaras e trajes elaborados. As máscaras venezianas variam de simples meias-máscaras até criações que cobrem o rosto inteiro. Surgiram nessa época profissões e famílias como os “mascareri”, artesãos que produziam as máscaras para os foliões. As mais famosas são as máscaras da Commedia dell’Arte, inspiradas nos personagens da comédia italiana do século XVI. Usar uma máscara permitia que as pessoas se expressassem livremente e se envolvessem em comportamentos que, de outra forma, seriam socialmente inaceitáveis.

Máscaras coloridas do Carnaval de Veneza

E não apenas as ruas de Veneza também ganham as cores das fantasias com desfiles extravagantes e competições, também as águas ficam tomadas de gôndolas coloridas, carregando pessoas fantasiadas. Os desfiles são uma verdadeira festa para os olhos, com participantes vestidos com trajes espetaculares e máscaras ornamentadas. E os concursos de fantasias destacam a criatividade e a habilidade dos venezianos em criar trajes deslumbrantes.

No início do século XVII, com o aumento do número e da qualidade das companhias de teatro, desenvolveram-se verdadeiras atividades ligadas ao mundo da comédia teatral, das artes cênicas e do artesanato de figurinos e máscaras.

Carnaval de Veneza

Inúmeros dramaturgos talentosos surgiram nesse período, tornando-se famosos por realizarem obras cada vez mais refinadas e complexas. A definição de commedia dell’arte nasceu em Veneza, e remonta a 1750, quando o dramaturgo Carlo Goldoni a introduziu em sua comédia Il Teatro Comico.

Carnaval de Veneza: bailes de Máscaras e Festas

Os bailes de máscaras são uma parte essencial do Carnaval de Veneza. Durante os dias de festa, muitos palácios históricos de Veneza abrem suas portas para festas extravagantes. Nestes bailes, os participantes dançam ao som de música clássica e usam trajes elegantes, criando uma atmosfera nostálgica de luxo e romance. Uma verdadeira viagem no tempo. O baile mais famoso é o “Baile do Ridotto”, que teve sua origem no século XVIII e é considerado um dos eventos mais prestigiados do Carnaval.

O declínio e o renascimento

O Carnaval de Veneza experimentou um declínio no século XVIII, com a queda da República de Veneza e a ascensão de Napoleão Bonaparte. Em 1797, com o levante do imperador francês, o carnaval deixou de ser comemorado. Durante muitos anos, a celebração foi proibida sob o domínio austríaco. No entanto, o espírito do Carnaval nunca foi esquecido, e ele ressurgiu no século XX.

Crianças no Carnaval

La Festa delle Marie: o carnaval hoje em dia

Hoje, o Carnaval de Veneza é uma celebração internacionalmente reconhecida que atrai visitantes de todo o mundo. A festa começa cerca de duas semanas antes da Terça-feira de Carnaval e culmina nesse dia, quando ocorre o famoso Il Volo dell’Angelo (Voo do Anjo). Durante essa cerimônia, uma jovem desce do Campanário de São Marcos até a Praça de São Marcos, simbolizando o início das festividades.

Il Volo dell’Angelo

É incrível pensar que uma festa tão antiga passou tanto tempo sem realizações. Foi tanto tempo que é possível entender a reconstrução da arte desse evento como uma arqueologia. Somente em 1999 a antiga Festa delle Marie (Festa das Marias) foi finalmente restaurada – ressurgindo feito fóssil, cerca de seiscentos anos depois! A ambientação da Festa delle Marie combina a reconstituição histórica da antiga procissão com um concurso de fantasias mais moderno.

Máscara do Carnaval de Veneza

Durante as semanas que antecedem a Terça-feira de Carnaval, Veneza se enche de festas, desfiles, competições de fantasias e eventos culturais que atraem visitantes de todo o mundo. A cidade se transforma em um palco de luxo e mistério, e as tradições centenárias do Carnaval são honradas a cada ano.

Carnaval de Veneza: preservando a tradição

O Carnaval de Veneza é uma celebração que preserva a rica herança cultural e histórica da cidade. As tradições de máscaras e trajes suntuosos continuam a ser honradas, e os venezianos trabalham arduamente para manter viva essa parte importante de sua identidade cultural. Trata-se, portanto, de uma reconstrução histórica que é muito mais do que uma simples festa. É uma celebração do ressurgimento de uma antiga Veneza, de sua cultura original e da criatividade de gerações e gerações de séculos distantes.

As raízes profundas e tradições encantadoras cativam aqueles que têm a sorte de participar. Ao visitar Veneza durante o Carnaval, você terá a oportunidade de mergulhar em um outro mundo, onde o passado e o presente se entrelaçam de maneira única. É uma experiência que deixa uma impressão duradoura na memória.

Aproveite para assistir o momento em que o Prof. Darius experimentou a sensação de uma viagem no tempo em Veneza, quando passeou pela cidade com a Profa. Paola Baccin, conhecendo mais sobre a máscara usada no período da Peste e também entendendo a data comemorativa que é festejada no dia 21 de novembro. Tudo isso à bordo de um trabaccolo, um verdadeiro barco da época mantido até hoje em Veneza!

Voltei no tempo em Veneza: Peste Negra

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Envelhecimento na Itália: os desafios e as oportunidades

Envelhecimento na Itália: os desafios e as oportunidades

A Itália não é conhecida apenas como uma nação rica em herança cultural e histórica, recentemente as notícias têm aumentado sobre os dados que apontam que o Bel Paese enfrenta um desafio demográfico que moldará significativamente seu futuro. Entra ano, sai ano, lemos estudos afirmando que a população da Itália está cada vez mais idosa, e que na União Europeia, a Itália é o país que envelhece mais rápido! Portanto, é fato: nas últimas décadas, a população idosa na Itália tem crescido de forma constante, levando a uma mudança fundamental na estrutura etária do país. Esse aumento no número de idosos apresenta desafios significativos, mas também oportunidades únicas para a sociedade italiana.

A Itália apresenta uma das expectativas de vida mais altas do mundo, com uma taxa de fertilidade relativamente baixa. Isso resulta em uma população mais idosa, com um número crescente de pessoas com 65 anos ou mais. Atualmente, 23% da população tem 65 anos ou mais, e esse número deve aumentar para 33% até 2050. Esse envelhecimento traz, por exemplo, desafios econômicos, pois significa que há uma diminuição da força de trabalho, que, quando entra em declínio, aponta a necessidade de se ajustar o sistema de previdência social para atender a essa população crescente.

Também o sistema de saúde começa a passar por uma nova fase de adaptação, para se ajustar às necessidades de saúde específicas dos idosos.

Pirâmide etária populacional da Itália

Nos últimos anos, o sistema de saúde italiano está se adaptando para oferecer cuidados de saúde de alta qualidade aos idosos. Programas de prevenção e tratamento de doenças crônicas, bem como cuidados paliativos, estão se tornando cada vez mais relevantes. Além disso, muitos idosos italianos desfrutam de uma vida ativa e saudável, com uma dieta mediterrânea e um estilo de vida que valoriza o convívio e o exercício físico. Aliás, você sabia que algumas cidades italianas entraram para o livro dos recordes com as maiores expectativas de vida do planeta?

Clique aqui para ler nosso artigo sobre O segredo dos italianos para viverem até os 100 anos.

Idosos na Itália

Apesar dos desafios, o envelhecimento da população também traz oportunidades. A sabedoria e a experiência dos idosos são muito valorizadas na sociedade italiana. Muitos idosos desempenham papéis ativos na família, na comunidade e na política, proporcionando uma rica fonte de conhecimento e liderança.

Além disso, a Itália tem uma rica tradição de solidariedade intergeracional, em que as gerações mais jovens têm a responsabilidade de cuidar e apoiar os idosos. Isso cria laços fortes dentro das famílias e comunidades. Um ótimo exemplo disso é a tradição da Festa dei Nonni na Itália. Aproveite para ler aqui nosso artigo sobre essa importante data, que celebra a sabedoria e o amor dos avós!

Terceira idade na Itália

Embora o envelhecimento da população na Itália seja um desafio complexo, podem descobrir oportunidades únicas em uma sociedade que saiba repensar a maneira como valoriza e apoia seus idosos. A Itália poderá, cada vez mais, capitalizar a sabedoria e a experiência de sua população mais velha, reforçando os laços familiares e comunitários. A adaptação a essa mudança demográfica, em qualquer sociedade, é fundamental para garantir um futuro próspero e sustentável ao país e aos seus cidadãos de todas as idades.

Viva a Itália e o legado dos mais velhos!

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Os burgos medievais italianos: tesouros das montanhas

Os burgos medievais italianos: tesouros das montanhas

Burgos italianos são cidades fortificadas, tesouros da civilização medieval que a Itália abriga nos topos das colinas, feito miniaturas saídas dos sonhos. Essas cidades estão localizadas nos topos das montanhas por uma boa razão, como veremos ao longo do texto de hoje. Nos burgos, encontramos ruas estreitas e uma arquitetura encantadora, com edificações que há séculos são testemunhas silenciosas do florescimento da cultura e da sobrevivência de uma sociedade que enfrentou desafios do período das invasões dos bárbaros.

Burgos medievais: vimos de perto!

Em uma de nossas viagens, descobrimos uma Cidade Fantasma, localizada no Monte Antuni, que nos ensinou muito sobre o período de formação dos burgos.

Aprendemos com o nosso guia Giovanni Giovanelli que os burgos foram vilarejos medievais construídos geralmente no topo das colinas, por conta de sua posição estratégica na defesa contra invasões, que eram constantes na Idade Média. Foi um período da história chamado de “encastelamento”. Era um tempo em que os castelos não eram necessariamente luxuosos, como aqueles que imaginamos quando pensamos na aristocracia: eram construções que prestavam apenas ao objetivo de defender o povo nos momentos de perigo.

Uma era de fragmentação

Durante a Idade Média, a Itália não era uma nação unificada, como a conhecemos hoje. Era uma terra fragmentada, dividida em pequenos reinos e cidades-estado. Foi nesse cenário que os burgos medievais começaram a surgir. Essas cidades fortificadas eram construídas em colinas e montanhas, estrategicamente posicionadas para defesa contra invasões. Suas muralhas imponentes e portões maciços eram testemunhas de uma época de incerteza e conflito.

Por isso, caminhar pelas ruas de um burgo medieval é como fazer uma jornada no tempo. Ruas de paralelepípedos, casas de pedra e praças pitorescas criam uma atmosfera encantadora. Muitos desses burgos são notáveis também por suas igrejas ornamentadas, cujas fachadas e interiores são testemunhos da devoção religiosa e do talento artístico da época, que resistiam a um período de sobrevivência, muitas vezes graças às contribuições dos cidadãos do burgo, que se juntavam em doações para garantir que o espaço público contasse com a construção de uma área de comunhão. Nesse caso, a fé se provava mais uma aliada, tanto do ponto de vista da fé, como nas questões práticas da defesa física do espaço. As igrejas antigas faziam parte da fortificação, como um complexo defensivo que podia se unir às torres de um burgo, criando um único corpo de abrigo e defesa. Um bom exemplo disso é a Igreja de San Giovanni Evangelista que pudemos ver de perto, em Castel di Tora.

Comércio, cultura e os riscos das construções no topo das colinas

Os burgos medievais não eram apenas fortalezas defensivas, mas também centros de comércio e cultura. Suas localizações estratégicas ao longo de rotas comerciais importantes permitiam o florescimento do comércio. Os artesãos locais produziam artigos de luxo, como jóias, tapeçarias e cerâmica, que eram exportados para outras regiões da Europa.

Além disso, essas cidades fortificadas eram frequentemente centros de aprendizado e cultura. Mosteiros e escolas desempenhavam um papel fundamental na preservação do conhecimento e na educação. Os manuscritos iluminados e os tratados filosóficos produzidos nesses burgos medievais ainda são estudados e admirados hoje em dia.

Civita di Bagnoregio

 Civita di Bagnoregio
Civita di Bagnoregio

Outro burgo impressionante que pudemos conhecer de perto é o da Civita di Bagnoregio.

Imagine uma cidade medieval nas nuvens, correndo o risco de desaparecer porque foi construída no topo de uma montanha que está se desfazendo devido à erosão. Ela existe, está na Itália e nós tivemos a chance de aprender muito com as pessoas que encontramos no local, como um geólogo, com quem cruzamos por acaso, e que pôde nos explicar em detalhes sobre o processo de erosão que ameaça a existência desse burgo.

Civita di Bagnoregio na Itália

Bagnoregio é uma comuna italiana de apenas 3 mil habitantes, que está ligada ao topo de uma montanha por uma ponte. Do outro lado da ponte existe uma outra cidade, Civita di Bagnoregio, uma espécie de cidadezinha-satélite, localizada no topo de uma elevação montanhosa que os geólogos chamam de “sperone tufaceo” (esporão tufáceo). Para entrarmos, só mesmo atravessando a pé a ponte, sabendo que do outro lado nos espera uma história sem igual em todo o mundo!

Civita di Bagnoregio foi onde nasceu São Boaventura, em 1274. O local onde existia sua casa de infância já caiu à beira do precipício há muito tempo, em função do ritmo acelerado da erosão, que faz as camadas de barro e pedra deslizarem. Aos poucos, a cidade se torna uma ilha. Por tudo isso, é claro que poucas pessoas iriam querer continuar vivendo ali. A população hoje varia entre apenas cerca de 12 pessoas no inverno, e aproximadamente 100 no verão!

Para assistir nossa visita a esse lugar incrível, é só clicar aqui!

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“Funiculì, Funiculà”: a canção que sobreviveu às erupções do Vesúvio!

“Funiculì, Funiculà”: a canção que sobreviveu às erupções do Vesúvio!

A música “Funiculì, Funiculà” é uma das canções mais icônicas e alegres da Itália, conhecida por seu ritmo cativante e letras animadas. Difícil encontrar quem já não tenha escutado em algum momento da vida. Geralmente é associada à culinária italiana, muito ouvida em momentos de demonstração do que a Itália exportou para o mundo. Hoje poderemos ir além dessas impressões gerais, para conhecer a origem e os significados. Esta canção, que se tornou um hino não oficial de Nápoles e uma parte importante da cultura musical italiana, tem uma história fascinante de composição, um autor talentoso e significados profundos em sua letra.

Atrações funicular Itália
Partitura Funiculi funicula

A história de “Funiculì, Funiculà”

A história remonta ao final do século XIX, mais precisamente ao ano de 1880. Ela foi escrita como um hino para celebrar a inauguração de um novo funicular (um tipo de transporte ferroviário inclinado) que conectava a cidade costeira de Nápoles ao topo do Monte Vesúvio, um vulcão ativo famoso em todo o mundo.

Atrações funiculare Itália

Giuseppe Turco

O autor desta alegre composição é Giuseppe Turco, um jornalista e poeta napolitano, conhecido também como Peppino Turco. Turco foi encarregado de criar uma música festiva para a cerimônia de inauguração do funicular. Em parceria com o talentoso compositor Luigi Denza (foto ao lado), a dupla criou a melodia e as letras que logo se tornaram um sucesso.

Luigi Denza um dos compositores de Funiculi Funicula

Ela foi cantada pela primeira vez em Castellammare di Stabia, no Hotel Quisisana no dia 6 de junho de 1880. E no mesmo ano, foi apresentada por Turco e Denza no Festival de Piedigrotta.

Hotel Quisisana na Itália
Hotel Quisisana, em Castellammare di Stabia.
Vista para o Vesúvio Itália

A letra da música descreve vividamente a empolgante experiência de subir o Monte Vesúvio no novo funicular, uma aventura emocionante para os moradores e visitantes de Nápoles na época. A palavra “funiculì” é uma contração que une duas palavras: “funicolare” (funicular) e “lì” (ali). Enquanto “funiculà” é a contração de “funicolare” + “là” (lá). Assim, a música transmite a ideia de movimento, o deslocamento daqueles que sobem, daqui até lá, pelo funicular que levava ao topo do Vesúvio, onde se poderia desfrutar de vistas deslumbrantes da baía de Nápoles e do Golfo de Nápoles.

Luigi Denza – Funiculi, Funicula [HQ]

A canção rapidamente se tornou popular em Nápoles e em toda a Itália, cativando o coração do público com seu ritmo vibrante e letras alegres. Ela também se espalhou por todo o mundo, tornando-se um símbolo da música italiana.

Ao longo dos anos, “Funiculì, Funiculà” foi interpretada por inúmeros artistas, tanto italianos quanto internacionais, e foi usada em diversos filmes, programas de televisão e comerciais, solidificando ainda mais sua posição como uma das músicas italianas mais reconhecíveis e queridas.

Duas das apresentações muito conhecidas são a de Luciano Pavarotti, em 1995, e a de Andrea Bocelli, em 2009, cantando dentro do Coliseu! Assistam:

Além de sua associação com o transporte até o Monte Vesúvio, “Funiculì, Funiculà” também é frequentemente executada em festas e celebrações, sendo um elemento essencial nas festividades italianas. Sua energia contagiosa e letras festivas fazem dela uma escolha perfeita para animar qualquer ocasião.

A letra da música é uma celebração da beleza da natureza, da aventura e do espírito napolitano. Ela evoca a sensação de liberdade e excitação que as pessoas sentiam ao subir o Monte Vesúvio e contemplar a paisagem deslumbrante ao redor. Mesmo após mais de um século desde sua criação, “Funiculì, Funiculà” continua a ser uma canção atemporal que encanta e emociona as pessoas.

Vista para as construções do funicular ao pé do Monte Vesúvio
Vista para as construções do funicular ao pé do Monte Vesúvio

Você percebeu que citamos o prazer que as pessoas sentiam nessa subida, mas falamos tudo no passado? É porque a história da construção do funicular deu lugar também a uma história repleta de reconstruções e desafios. Vejam só…

Não é nada simples construir um funicular que sobe o monte de um vulcão ativo. No ano de 1906, ocorreu uma erupção do Vesúvio, que causou a destruição das duas estações do funicular, a superior e a inferior. Além disso, os bondes, os equipamentos e também o restaurante construído na base do monte foram destruídos – ou melhor dizendo, engolidos pelas lavas e cobertos pelas cinzas.

Vesúvio em 1906

O orgulho da construção e o espírito da industrialização, que tomavam a todos naquela época, logo serviram de impulso para que se pensasse numa rápida reconstrução. Os danos foram logo reparados e, já em 1909, o funicular voltou a funcionar.

Acontece que, dois anos depois, em 12 de março de 1911, uma nova erupção destruiu a estação superior novamente. E mais uma vez, ainda com maior rapidez, foram feitos os trabalhos necessários em apenas um ano, e o sistema voltou a funcionar plenamente. E mais, teve a sorte de ficar intacto quando ocorreu outra erupção, em 1929. Isso mesmo, tinham sido 3 erupções desde a inauguração, duas destruidoras, uma felizmente benevolente.

Contudo, em 1944, o Vesúvio entrou em erupção novamente. E, desta vez, o funicular não foi poupado, foi mais uma vez destruído. E, para piorar a situação, isso ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial. Dali em diante, o funicular nunca mais foi reconstruído.

Vesúvio em erupção
Erupção no monte Vesúvio
Março de 1944: Monte Vesúvio durante sua pior erupção em mais de 70 anos. No primeiro plano vemos a cidade de Nápoles. (Keystone/Getty Images)

A decisão por não serem mais feitas reconstruções, claro, é um cuidado que faz muito sentido se considerarmos que o Vesúvio já entrou em erupção outras dezenas e dezenas de vezes ao longo da história, após a destruição de Pompeia e Herculano. Ironicamente, porém, o que seria curioso para tantos italianos que trabalharam arduamente nas reconstruções ao longo do século 20, o vulcão está adormecido desde 1944, e de lá pra cá não tivemos nenhuma erupção nova.

Apesar de não ter sido mais reconstruído, a história do funicular italiano do Vesúvio foi uma inovação tecnológica tão grande e única na época que inspirou vários países a adotarem esse sistema de transporte como um diferencial importante no turismo local de cada região. Temos inclusive um exemplo brasileiro, o funicular de Santos, que percorre 147 metros da encosta do Monte Serrat! Quer conhecer, recomendamos assistir ao Passeio em Santos a bordo do FUNICULAR DO MONTE SERRAT

Outras versões de funiculares

Outros exemplos de funiculares que surgiram depois da criação italiana são:

  • Chaumont Panoramic Funicular Railway, em La Coudre, Neuchatel, Suíça.
  • Bom Jesus do Monte, em Braga, Portugal
  • Monte Pilatus – Suíça
  • Salzburg – Áustria
  • Polybahn – Zurique – Suíça
  • Montmartre – Paris, França
  • Voilà – Noruega
  • Kiev – Ucrânia
Funicular em Paris
Paris
Funicular Portugal
Portugal
Funicular Noruega
Funicular Noruega
Funicular Kiev
Funicular Kiev

Os legados

Apesar de os funiculares terem se tornado uma atração turística em diversas cidades ao redor do mundo, a música “Funiculì, Funiculà” guarda a história e serve como um forte símbolo da alegria de viver e da ascensão apaixonada que a cultura napolitana vivenciava no período de modernização, num caminho raro de uma busca humana por uma comunhão entre indústria e o espaço definitivo da natureza. O que podemos observar nessa tentativa é o poder maior da natureza, que nos atrai até para perto de suas belezas destruidoras, mas que também nos afasta sem dificuldade, e demarca certos limites que, se bem observados, nos fazem aprender e celebrar nossos sonhos através de outras linguagens, como a da música, que se faz inabalável de geração em geração, com palavras que ecoam fora do alcance de qualquer erupção. E a canção, por sua vez, pode nos lembrar da importância de aproveitar a vida, explorar novos horizontes e celebrar a alegria de contemplarmos a natureza, enquanto subimos e subimos por onde conseguirmos. Funiculì, Funiculà!

A letra da música

Agora, aproveitem abaixo a letra da música, no dialeto napolitano e, depois, em português.

E para ir ainda além e conhecer as variações para o italiano, a partir da composição no dialeto napolitano (como “jammo” e “andiamo”), é só clicar aqui: https://www.portanapoli.com/Ita/Cultura/canzone-napoletana/funiculi.html

Letra original (em napolitano)

Aissera, oje Nanniné, me ne sagliette,

tu saje addó, tu saje addó

Addó ‘stu core ‘ngrato cchiù dispietto

farme nun pò! Farme nun pò!

Addó lu fuoco coce, ma se fuje

te lassa sta! Te lassa sta!

E nun te corre appriesso, nun te struje

sulo a guardà, sulo a guardà.

Jamme, jamme ‘ncoppa, jamme jà,

Jamme, jamme ‘ncoppa, jamme jà,

funiculì, funiculà!

funiculì, funiculà!

‘ncoppa, jamme jà,

funiculì, funiculà!

Né, jamme da la terra a la montagna!

Nu passo nc’è! Nu passo nc’è!

Se vede Francia, Proceta e la Spagna…

Io veco a tte! Io veco a tte!

Tirato co la fune, ditto ‘nfatto,

‘ncielo se va, ‘ncielo se va.

Se va comm’ ‘a lu viento a l’intrasatto,

guè, saglie, sà!

Jamme, jamme …

Se n’è sagliuta, oje né, se n’è sagliuta,

la capa già! La capa già!

È gghiuta, po’ è turnata, po’ è venuta,

sta sempe ccà! Sta sempe ccà!

La capa vota, vota, attuorno, attuorno,

attuorno a tte! Attuorno a tte!

Stu core canta sempe nu taluorno:

Sposamme, oje né! Sposamme, oje né!

Jamme, jamme …

Tradução para o português

Ontem à tarde, oi Aninha, eu fui,
sabes para onde, sabes para onde?
Para onde este coração ingrato não pode me desprezar mais!
Onde o fogo queima, mas se tu foges
ele deixa estar!
E não te persegue, não te consome,para que vejas o céu!…
Vamos, vamos, pro topo vamos, já!
Vamos, vamos, pro topo vamos, já!
Funiculì – funiculà, funiculì – funiculà!
Pro topo vamos, já, funiculì – funiculà!

Vamos do sopé à montanha, Aninha! Sem (termos de) caminhar!
Podes ver a França,a Prócida e a Espanha…
e eu vejo a ti!
Puxados por uma corda, antes de nos darmos conta,
vamos para o céu…
Vamos rápidos como o vento e de repente, já saímos!
Vamos, vamos, pro topo vamos, já!
Vamos, vamos, pro topo vamos, já!
Funiculì – funiculà, funiculì – funiculà!
Pro topo vamos, já, funiculì – funiculà!

Subimos, Aninha, já chegamos ao topo!
(O funicular) Foi, e retornou, e voltou novamente…
Está sempre aqui!
O topo gira, gira, ao redor, ao redor,
ao redor de ti!
Este coração canta sempre
e não é arrogante
Vamos nos casar, Aninha!
Vamos, vamos, pro topo vamos, já!
Vamos, vamos, pro topo vamos, já!
Funiculì – funiculà, funiculì – funiculà!
Pro topo vamos, já, funiculì – funiculà!

Traduzido com ajuda do dicionário da “Storia di Napoli” 

Aproveite para ler mais sobre o Vesúvio em nosso artigo aqui do blog: Poesia ao redor do Vesúvio

A presto!