O Natal na Itália é muito mais que uma data religiosa: é um período de convivência familiar, tradições seculares, gastronomia regional e rituais que revelam muito sobre a cultura italiana. Mesmo quem não é religioso acaba se envolvendo com o clima de fraternidade, aconchego e renovação que marca essa época do ano.
Neste artigo, vamos explorar como essa festa é vivida nas diferentes regiões, quais tradições resistiram ao tempo, o papel da culinária e das canções típicas – tudo isso mantendo intacta a explicação cultural original e enriquecendo com contexto que ajuda o aluno a compreender o idioma a partir da vida real.
Natal na Itália
Obviamente, assim como seria difícil descrever todas as tradições que ocorrem no território brasileiro, é impossível descrever todas as manifestações regionais italianas. Portanto, serão tratados aqui apenas alguns aspectos gerais que envolvem esse período do ano ilustrados por alguns exemplos de duas regiões muito distantes geograficamente, o Veneto e, por meio do relato de Rosario Gaziano, a Sicilia.
Na Itália “le feste natalizie” têm uma data específica para iniciar e para terminar e, durante o período, cada região, cada província, cada comune e cada paese ou borgo celebra suas tradições, algumas de origem centenária.
O periodo natalizio começa no dia 08 de dezembro, com “la festa dell’Immacolata”, e termina no dia 06 de janeiro, com “la festa dell’Epifania”.
O calendário prevê os seguintes feriados, ou seja, nesses dias não se trabalha:
- 8 dicembre: La festa dell’Immacolata
- 25 dicembre: giorno di Natale
- 26 dicembre: Santo Stefano
- 01 gennaio: Capodanno o il primo dell’anno
- 06 gennaio: Epifania
Como no Brasil, os dias 24 e 31, apesar de não serem feriados, já antecipam a atmosfera das festas, mesmo no ambiente de trabalho:
- 24 dicembre: La vigilia di Natale.
- 31 dicembre: La vigilia di Capodanno.
Natale con i tuoi: o significado do Natal na Itália
Existe um ditado muito conhecido:
Natale con i tuoi, Pasqua con chi vuoi.
Natal com os seus, Páscoa com quem você quiser.
Esse provérbio resume bem a importância da família durante o Natal na Itália.
Enquanto muitas festas italianas envolvem amigos, colegas e a comunidade, o Natal é tradicionalmente celebrado em casa, rodeado por parentes próximos.

O período natalino é marcado não apenas pela religiosidade, mas também pelo desejo de reconexão afetiva. Mesmo famílias que vivem longe fazem o possível para se reencontrar nessa época.
As tradições do Natal na Itália
1. Os preparativos
O Natal na Itália começa a ganhar forma no início de dezembro, quando:
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as cidades acendem suas luzes natalinas;
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montam-se as árvores (l’albero di Natale);
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preparam-se os presépios (il presepe ou il presepio), tradição fortíssima na cultura italiana.
Muitas famílias montam o presépio com figuras herdadas, transmitidas entre gerações, reforçando a dimensão histórica e afetiva da celebração.
8 dicembre: La festa dell’Immacolata
É feriado nacional. Nessa data, nas praças das cidades se acendem as luzes das árvores de Natal com apresentações de corais e espetáculos de música ou dança. As famílias e grupos de amigos se reúnem para confraternizações ou vão aos famosos mercatini di Natale, que são feiras de artesanato e de produtos natalinos. Nos mercatini se podem comprar os presentes e as lembrancinhas, pois é comum presentear amigos e parentes com enfeites de Natal, peças de artesanato e produtos gastronômicos.
Do dia 8 até a véspera de Natal é possível visitar os vários mercatini presentes em todas as regiões italianas. Há desde mercatini tradicionais como os das cidades alpinas da região do Alto-Adige, até os mais simples, organizados pelas Proloco [organizações comunitárias das cidades], paróquias ou pelas escolas de educação infantil, com o objetivo de recolher fundos para as suas atividades.
Nos mercatini de cidades como Bolzano, esquece-se que se está na Itália e entra-se em uma atmosfera tirolesa e alemã, inclusive com comidas típicas como i würstel e i crauti [salsicha com chucrute] e vin brulè [vinho quente].
Além dos mercatini há também i villaggi di Natale, parques de diversões com atrações para jovens e crianças e com bancarelle de bebidas e comidas típicas.
2. Ceia e comidas típicas
A mesa do período de Festas é recheada de produtos invernais porque essa estação pede comidas que aquecem o corpo e o espírito: cotechino, pasta e fagioli, baccalà e doces elaborados.
Além do panettone, do pandoro e do torrone, internacionalmente conhecidos, o inverno é a época de frutas secas; bolos com nozes, gengibre, canela e especiarias; frutas cítricas como laranjas e clementine [tangerinas].
Cada cozinheiro profissional ou amador si sbizzarrisce [solta a imaginação] para agradar e surpreender os seus convidados, mas toda inovação é sempre muito bem ancorada na tradição milenar de cada região, transmitida ao longo das gerações.
Rosario Gaziano nos conta que na Sicília, por exemplo, no período de Natal, os cannoli e a cassata, típicos dessa região, são substituídos por uma série de doces caseiros, preparados com amêndoas, chamados cubbaita. Há também os bucellura, biscoitos recheados com a polpa de figos secos. Gaziano relata que o panettone é considerado um produto “della città”. Nos paesi [povoados, villarejos] é muito raro, porque toda a comida das festas é preparada pelas famílias.
No Veneto há a tradição da pinsa, um bolo doce, muito rico, feito com pão amanhecido, leite, ovos, recheado de uva passa, frutas secas, maçã e sementes de erva-doce. Muitos doces são semelhantes nas várias regiões, mas recebem nomes diversos. Por exemplo, o torrone no Veneto recebe o nome de mandorlato e tem uma consistência mais macia. Na Sicilia, a cubbaita é uma espécie de torrone, feito de amêndoas açucaradas que, depois de endurecidas, são banhadas com suco de limão.
É muito interessante notar como esses produtos são encontrados apenas nesse período. Terminado o período de Natal, começa outro ciclo, com outros produtos e outras guloseimas.
San Nicola di Bari e Babbo Natale
No Brasil conhecemos o Bom Velhinho a partir da representação da Coca-Cola e achamos que ele mora na Lapônia ou no Polo Norte.
Poucos sabem que Babbo Natale existiu realmente. San Nicola (ou San Nicolò) é um santo que une em devoção católicos e ortodoxos e sua biografia se mistura com lendas e folclore. Nasceu em 15 de março de 270 e morreu no dia 06 de dezembro de 343, na Turquia. É venerado na cidade de Bari, capital da Puglia, onde se conservam as relíquias do Santo.
Conta-se que havia uma família muito pobre que, por não ter dinheiro para o dote das três filhas, temia ter de encaminhá-las para a prostituição. San Nicola, de maneira anônima, teria deixado cair pela janela da casa três bolas de ouro com as quais o pai criou o dote das filhas de modo que puderam se casar.
San Nicola, San Nicolaus e por fim Santa Claus tornou-se Babbo Natale a partir da poesia A Visit from St. Nicholas de Clement Clarke Moore, do início de 1800. E em 1931, a Coca Cola veste San Nicola de vermelho e o representa rubicondo [rechonchudo] com um trenó e renas voadoras.
Nas regiões do Alpes San Nicolò é acompanhado pelos Krampus, uma espécie de demônios, que teriam sido derrotados pelo Santo. Pessoas se vestem como monstros, amarram latas sob os pés e com pesados sinos saem pelos paesi assustando as crianças (e adultos), fazendo muito barulho. Em um certo momento aparece San Nicolò e essas criaturas se acalmam e não perturbam mais a paz do lugar, então se começa a festejar.
San Nicola, que traz presentes às crianças, se festeja em Bari, Molfetta, Trieste, Bolzano, na região do Friuli, do Alto-Adige e em parte do Veneto. Em toda a Itália, porém, a figura de Babbo Natale “americano” também faz parte da tradição.
3. O presépio: símbolo do Natal italiano
A tradição do presépio na Itália é profunda.
Em muitas regiões, especialmente na Campânia, Sicília e Úmbria, ele é mais importante que a árvore.
As representações variam:
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presépios artísticos;
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presépios vivos (presepi viventi);
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presépios históricos;
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presépios mecânicos, com movimento e água corrente.
Essa expressão cultural faz parte essencial do Natal na Itália, e é comum ver concursos de presépios em escolas e bairros.
Em toda a Itália a montagem do presépio é uma tradição que reúne adultos e crianças, artesãos e colecionistas, religiosos e não-religiosos.
O presepio foi criado por San Francesco di Assisi em 1223, na cidade de Greccio, um comune na província de Rieti no Lazio. San Francesco queria “ver com os olhos do corpo” como Jesus nasceu. Assim, para a missa de Natal, pediu que se fizesse uma manjedoura, se trouxesse um burrinho e um boi e celebrou a eucaristia sobre a manjedoura.
Aos poucos foram introduzidas as imagens da natività: Gesù, Giuseppe e Maria e ao longo dos anos muitos artistas e artesãos se dedicam a realizar elaboradas imagens que completam a cena do nascimento de Jesus para inseri-la no meio da vida quotidiana.
Hoje há inúmeras exposições e concursos de presépios por toda a Itália. São complexos conjuntos de imagens que compõem cenários para o nascimento de Jesus, reproduzindo cenas da vida quotidiana, antiga ou atual. Vejam um exemplo de presépio artístico na imagem. O cenário é um paese meridionale onde a vida segue em seu ritmo normal, cada personagem preocupado com seus afazeres: il cantiniere vende o vinho, il fornaio faz o pão, il fruttivendolo vende a fruta e a verdura, la casalinga pendura as roupas no varal, as pessoas saem para fazer compras, enquanto isso, em um canto, ali bem perto, nasce Jesus e apenas poucos pastores se dão conta.
O artista se preocupa com cada detalhe: as luminárias, animali da cortile (galinhas, pombos, coelhos), o interior das casas, tomates, alho, peperoncini pendurados para secar. É uma arte e um hobby que pode ser admirado o ano todo pelas ruas de Nápoles, onde a tradição do presépio tem grande importância.
Rosario Gaziano nos conta que a Sicilia é uma região muito católica, portanto o período de Natal é celebrado de muitas maneiras. As famílias preparam os presépios dentro das casas e há um concurso para eleger o presépio mais bonito. Nos paesi (cidades do interior) faz-se as novenas de Natal para lembrar o sofrimento de Maria e José que se viram obrigados a fugir, pois eram perseguidos pelo rei Herodes. Em locais estratégicos de cada paese colocam-se símbolos de Maria ou da Sagrada Família decorados com aspargos e tangerinas e, em volta desses altares improvisados, músicos tocam instrumentos típicos como la zampogna, i tamburelli e trombette.
4. A vigília e o dia 25
A Vigilia di Natale (24 de dezembro) costuma ser mais leve no cardápio, muitas vezes com peixe, seguindo tradições católicas.
Já o dia 25 de dezembro, o “grande almoço”, é o ponto alto do Natal na Itália.
De fato, o Natal ainda é visto e sentido como uma festa religiosa, de recolhimento e de comemoração com a família que se reúne para a ceia na véspera do Natal (il cenone della vigilia di Natale), mas, sobretudo, no dia de Natal para o pranzo di Natale [almoço de Natal].
O cardápio da véspera de Natal geralmente é à base de peixe, porque é la notte della vigilia, ou seja, assim como antigamente não se comia carne na véspera da Páscoa (hoje essa proibição passou para Sexta-Feira Santa)e na quarta-feira de cinzas, na véspera de Natal algumas famílias também seguem essa tradição.
Cada região tem seus pratos típicos, preparados com os produtos da estação. Na Sicilia, por exemplo, temos o sfingiuna, uma pizza feita em casa, muito alta; as immiscati, um prato em forma de guirlanda, preparado com uma massa à base de farinha e recheada com azeitonas pretas, linguiça e cebola e depois levada ao forno; os carduna ou cardi, que são as hastes da alcachofra ou a alcachofra empanada e frita e por fim o caldo de bacalhau com grão de bico (zuppa di baccalà e ceci).
26 dicembre: giorno di Santo Stefano
No Brasil, o dia 26 de dezembro é um dia de trabalho normal. Na Itália é feriado pois se comemora o dia do primeiro mártir cristão, Santo Stefano. O feriado foi decretado pelo governo italiano em 1949 para oferecer mais um dia de férias durante o período de Natal.
A tradição diz que Santo Stefano é um dia de descanso no qual si mangiano gli avanzi del Natale, ou seja, nesse dia se comem os restos do almoço de Natal. Muitas famílias vão ao cinema para ver o lançamento dos filmes de Natal ou organizam uma sessão caseira de cinepanettone.
O cinepanettone é um gênero cinematográfico italiano. São comédias de um humor muito simples, direto, uma comédia de erros cujo enredo envolve famílias nas férias de Natal. Os personagens são caricatos e as cenas muitas vezes chegam à comédia pastelão.
Muitas famílias e grupos de amigos aproveitam para visitar os centros das cidades, fazer uma breve gita fuori porta (passeio em uma localidade próxima), visitar a mostra de presépios ou il villaggio di Natale.
Há também a tradição de se reunir para jogos de salão como a tombola.
Capodanno: 31 dicembre e primo gennaio
Natale con i tuoi, (Pasqua e) Capodanno con chi vuoi. A noite de réveillon (Vigilia di Capodanno, San Silvestro) e o dia de ano novo (Capodanno ou primo dell’anno) geralmente se passa com amigos, sobretudo quando os filhos são maiores e preferem festejar com jovens da idade deles nas discotecas, bares ou festas nas casas.
As cidades também organizam festejos nas praças, com fogos de artifícios e a contagem regressiva. Muitos fazem o cenone di capodanno e depois se reúnem para ver os festejos nos centros a cidade.
O cardápio é bastante variado nessa ocasião, mas há pratos típicos como il baccalà (bacalhau) ou le lenticchie con il cotechino. Esse último é comum na Itália toda, enquanto o primeiro apenas em algumas regiões do norte da Itália.
L’Epifania tutte le feste si porta via
Assim como le feste natalizie têm uma data de início, elas têm também uma data de término: il 6 gennaio, il giorno dell’Epifania ou della Befana. Esse dia também é feriado na Itália.
O dia de reis, que marca a visita dei tre Re Magi al Bambin Gesù [a visita dos três reis magos ao Menino Jesus], é também o dia da Befana, uma figura folclórica de uma velha senhora que voa em uma vassoura e traz presentes para as crianças boas e carvão para as crianças travessas. Os mercatini vendem le calze per la Befana, meias enfeitadas nas quais se colocam balas e também alguns pedaços de doces em forma de carvão, para indicar às crianças que as Befana sabe que elas também fizeram algumas travessuras durante o ano.
A velha senhora representa o ano velho que vai embora e o início do ano novo, por isso, em muitas localidades, como no Veneto, faz-se “la bubarata” [termo regional para falò (fogueira)], uma fogueira na praça para indicar que se queimam as coisas velhas em sinal de renovação para o ano que se inicia. As comunidades preparam comidas típicas e toma-se vin brulè [vinho quente].
Por que aprender sobre o Natal na Itália ajuda na aprendizagem da língua?
Durante o Natal na Itália, surgem expressões, vocabulário, hábitos e construções linguísticas que dificilmente aparecem nos livros didáticos.
Muitos termos têm pronúncias marcadas pelas duplas consoantes em italiano — como tombola, cappone, cappello, focaccia, Natale, Befana — o que torna essa época uma excelente oportunidade prática para estudantes perceberem nuances da língua.
Aprender italiano pela cultura é sempre mais leve, mais rico e muito mais memorável.
O Natal na Itália é mais do que uma celebração religiosa: é um mergulho na cultura, na culinária, na história e nas tradições familiares que tornam o povo italiano tão único. Cada detalhe — dos presépios às receitas típicas, dos cânticos às reuniões familiares — revela um pouco da alma italiana.
E você?
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Em meu nome e em nome da ITALICA, desejo a todos Buon Natale com essa frase de Gianni Rodari.

Buone Feste a tutti!
Paola Baccin



