A língua do “bel paese” é considerada por muita gente como a mais bonita do mundo. Mesmo deixando de lado as opiniões pessoais, é inegável que o italiano tem um som agradável, quase musical. Isso se deve, em parte, à sua história peculiar: o italiano, originalmente, era uma língua usada apenas na literatura, que ninguém falava de fato no dia a dia — e talvez por isso continue até hoje tão atenta à estética dos sons.
Do latim à babel da península
Para entender essa história, precisamos voltar bastante no tempo, mais precisamente ao século V a.C., quando a Península Itálica era habitada por diversos povos — úmbrios, lígures, lucanos, entre outros —, cada um com sua própria língua. No centro da península, os latinos fundaram Roma, que, favorecida por fatores geográficos e comerciais, começou a crescer e se expandir.
Como você já deve saber, com o passar do tempo Roma conquistou novos territórios, impondo a língua latina em todo o seu império. Mas vale um alerta importante: o latim não era um só. Existia o latim clássico, usado por escritores e políticos, e o latim vulgar, falado pelo povo. Esse latim popular era muito mais flexível e variado, influenciado pelas línguas locais e pela própria evolução do idioma.
O latim se transforma em várias línguas
Com o declínio do Império Romano, a Península Itálica passou a receber outros povos e influências linguísticas. O latim falado começou a se transformar, se distanciando do modelo escrito e incorporando traços das línguas dos novos invasores. Assim surgiram os chamados “volgari”, versões populares do latim que, com o tempo, se tornaram mais sólidas e até deram origem a novas tradições literárias.
Dante e a busca por uma língua comum
Entre 1302 e 1305, o poeta e pensador florentino Dante Alighieri escreveu, em latim, o tratado De vulgari eloquentia, onde analisava os diferentes volgari falados na península. A ideia era identificar uma variante que pudesse se tornar a língua culta de toda a Itália. No entanto, Dante concluiu que nenhuma delas era suficientemente “ilustre” para essa missão — seria necessário um esforço conjunto dos intelectuais.
Foi o próprio Dante quem deu um passo decisivo nessa direção, ao escrever A Divina Comédia não em latim nem no dialeto florentino popular, mas em uma nova língua que ele mesmo criou. Um idioma inspirado no florentino, mas enriquecido com elementos das tradições literárias latina, siciliana e provençal. Por essa ousadia, Dante é considerado o “pai” da língua italiana.
As “três coroas” da literatura italiana
Depois de Dante, outros dois grandes nomes consolidaram o prestígio do volgare florentino: Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio. Juntos, eles são chamados de “as três coroas” da literatura italiana.
Petrarca, mais apegado ao modelo clássico do latim, escreveu o Canzoniere em um volgare extremamente refinado, quase depurado, buscando eliminar palavras que considerava “baixas”. Boccaccio, por outro lado, adotou uma linguagem mais próxima do povo no Decameron, tornando seus textos acessíveis também à burguesia. Por isso, ele é considerado o elo entre a literatura medieval e a moderna.
A invenção da imprensa e a padronização
No século XVI, com a invenção da imprensa e o florescimento do Renascimento, ressurgiu a discussão sobre qual língua deveria ser usada nas publicações. Como não havia uma escrita unificada, gramáticos e editores buscaram organizar e padronizar o idioma.
Havia duas correntes principais: uma defendia a tradição vêneta (já que Veneza era o centro editorial da Europa), e outra preferia os modelos florentinos, devido à autoridade de seus autores. Foi nesse cenário que entrou em cena o cardeal e gramático Pietro Bembo.
Bembo e os modelos de Petrarca e Boccaccio
Em seu livro Prose della volgar lingua, Pietro Bembo propôs usar os textos de Petrarca como modelo para a poesia e os de Boccaccio para a prosa. Sua proposta ganhou força e influenciou profundamente a normatização da língua. Mas vale lembrar que, nesse momento, a Itália ainda não era um país unificado, e essa “língua italiana” era uma convenção puramente literária, sem uso prático no cotidiano das pessoas.
Na prática, cada região da península continuava usando sua própria forma de expressão. Os diversos volgari eram, de fato, línguas diferentes, ainda que compartilhassem uma origem latina comum. A Itália permanecia um mosaico linguístico e cultural.
Uma língua literária distante do povo
Apesar dos avanços, ainda faltava uma proposta que unisse beleza e praticidade. O modelo de Bembo era elegante, sim, mas não funcionava bem como língua falada. Assim, os vários volgari continuaram vivos, competindo entre si para ocupar o posto de língua nacional.
Curiosamente, foi um cientista — e não um escritor — quem ajudou a mudar esse cenário. Galileo Galilei decidiu escrever suas obras em língua vulgar (e não em latim), acreditando que o conhecimento científico deveria ser acessível a todos. A linguagem de Galilei era clara e simples, e isso aproximou ainda mais o idioma literário do idioma cotidiano.
Manzoni, a unificação e a televisão
Por fim, chegamos a Alessandro Manzoni, autor de Os Noivos (I Promessi Sposi), que deu um passo importante para aproximar a língua culta do florentino da linguagem realmente falada. Embora fosse milanês, Manzoni escolheu escrever em florentino — e sua escolha teve grande peso simbólico. Ele também atuava no Ministério da Instrução Pública e foi um grande defensor da difusão da língua por todo o país.
A unificação da Itália, em 1861, marcou o início de uma nova fase. A partir de então, a urbanização, os movimentos migratórios, o exército, o cinema, o rádio e, finalmente, a televisão ajudaram a espalhar a língua italiana pelo território nacional.
Foi assim que o italiano, após séculos de evolução, finalmente se consolidou como a língua oficial da Itália. Refinado, simplificado, enriquecido e aproximado da fala cotidiana, o idioma que começou com Dante e chegou a Manzoni se transformou na língua de um povo inteiro.
Foi incrível descobrir que você aprende italiano assim como os próprios italianos tiveram de aprender o idioma no passado, não é mesmo?
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