Por: Paola Baccin
No artigo “casa dolce casa” falamos sobre como alugar uma casa na Itália. Hoje falaremos sobre as características da casa italiana. Quais as surpresas que um brasileiro pode encontrar em uma casa italiana e o que causa estranheza aos italianos que visitam as casas brasileiras. Por fim veremos dois verbos e suas conjugações completas: abitare, vivere.
Todos os aspectos da vida humana são tocados e alterados pela cultura: personalidade, linguagem, modos de pensar, de expressar sentimentos, de se mover, de solucionar problemas; a maneira de construir e de planejar cidades e sistemas de transportes, o sistema econômico e político e as soluções habitacionais. A cultura é determinada pelos valores considerados importantes ou fundamentais para uma sociedade como espaço e tempo; conceito de público e privado; importância da hierarquia; demonstração de status; manifestação de respeito; conceito de família; valor maior ou menor dado à honestidade e a esperteza como valor ou como delito, entre tanto outros.
A linguagem reflete todos esses aspectos. Desse modo, a simples tradução palavra – palavra, não é suficiente para compreender o significado que um determinado termo tem em uma cultura.
A palavra “casa” em português, corresponde a casa em italiano, essa aparente simplicidade na tradução poderia levar os falantes das duas línguas a considerar que existe uma equivalência perfeita:
O dicionário brasileiro Caldas Aulete define:
Casa 1. Construção, ger. com um ou poucos andares, com forma e tamanho diversos, destinada a habitação; (…)
2. Local onde se vive; LAR
O dicionário italiano Treccani define:
Casa 1. Costruzione eretta dall’uomo per propria abitazione; più propriam., il complesso di ambienti, costruiti in muratura, legno, pannelli prefabbricati o altro materiale, e riuniti in un organismo architettonico rispondente alle esigenze particolari dei suoi abitatori (è, come abitazione, termine generico, che sostituisce talora termini più particolari, come palazzo, palazzina, villa, villino, ecc.)
Em italiano, não existe a palavra lar. Casa significa tanto a construção, quanto a habitação, tanto que a frase “lar doce lar”, em italiano equivale a “casa dolce casa”.
Realizei uma pesquisa com mais de 500 entrevistados entre brasileiros e italianos sobre esse tema e gostaria de compartilhar aqui e nos próximos artigos, alguns dos resultados obtidos.
Há um provérbio italiano que resume o sentimento que geralmente se tem sobre a própria casa: casa mia, casa mia, per piccina che tu sia tu mi sembri una badia [casa minha, casa minha, mesmo pequena, para mim você parece uma abadia].
Esse sentimento pode ser estendido para o próprio bairro, a própria cidade, o próprio país. No âmbito da percepção, não há certo ou errado, o apreço ou a rejeição são sentimentos que acabam surgindo em uma situação de contato intercultural.
Alguns participantes declaram terem consciência de que cada país encontra soluções específicas para a sua realidade:
La domanda è assurda, perchè nel mondo ci sono situazioni diversissime. ( ) | É uma pergunta absurda, porque no mundo há situações muito diferentes. |
Come potrei descrivere la tipica casa brasiliana? Ma esiste, poi, una tipica casa brasiliana? Perché se dico tipica la devo in qualche modo distinguere da una tipica casa, mettiamo, italiana, francese, americana, giapponese… ce ne saranno alcune più ‘tipiche’ di altre? E la tipica casa di San Paolo, sarà più o meno tipica della tipica casa di Rio, o di Salvador, o dell’interno dello stato? Mà! Comunque, cerco di ritrovare il mio sguardo di venti anni fa, fresca fresca di arrivo a San Paolo, per ricordarmi quello che più mi colpì nelle case brasiliane.( ) | Como poderia descrever a típica casa brasileira? Mas existe uma típica casa brasileira? Porque se digo típica devo, de alguma forma, distingui-la de uma típica casa, digamos, italiana, francesa, americana, japonesa… haverá algumas mais “típicas” do que outras? E a típica casa de São Paulo, será mais ou menos típica do que a típica casa do Rio, ou de Salvador, ou do interior do Estado? Não sei! Em todo o caso, procuro reencontrar o meu olhar de vinte anos atrás, bem fresquinha, recém-chegada em São Paulo, para lembrar daquilo que mais me impressionou nas casas brasileiras. |
As declarações são sempre frutos da percepção subjetiva, no entanto, algumas “impressões” se repetem, demonstrando que se trata de um aspecto compartilhado da cultura. Provavelmente, ao ler os depoimentos, você vai se reconhecer e perceber que, apesar da individualidade, há elementos em comum que permitem que se fale de “casa italiana” e “casa brasileira”.
Vejamos o que italianos responderam quando perguntados sobre a característica das casas italianas e brasileiras:
L’italiano dentro casa manifesta al mondo esterno i propri sentimenti intimi: parla, litiga, ride, piange e cucina e il vicino che passa per strada lo sa, come canta anche Francesco Guccini in Lettera: “All’una in punto si sente il suono acciottolante che fanno i piatti, le tivù sono un rombo di tuono per l’indifferenza scostante dei gatti”. ( ) | O italiano dentro de casa manifesta ao mundo exterior os seus próprios sentimentos íntimos: fala, briga, ri, chora e cozinha e, como já cantava Francesco Guccini, na canção Lettera, o vizinho que passa pela rua, sabe que: ‘à uma em ponto, se ouve o barulho dos pratos, as tevês são como uma trovoada para a indiferença esquiva dos gatos’. |
In una casa brasiliana ci si può perdere, anche se è piccola, perché è divisa in meandri, corridoi angusti, muri, muretti, rientri che la casa italiana non conosce. ( ) | Em uma casa brasileira, mesmo pequena, pode-se perder, porque é dividida em meandros, corredores estreitos, muros, murinhos, reentrâncias que a casa italiana não conhece. |
In Brasile: ci sono un sacco di bagni e sono minuscoli, i frigoriferi sono immensi, le cucine e i bagni sono piastrellati fino al tetto, non c’è il riscaldamento, le finestre delle case hanno le inferriate, la stanza più importante è la sala dove non manca mai il divano e la tele, a volte si ha l’impressione che la casa sia più un dormitorio che un posto in cui trascorrere piacevolmente del tempo, le case contengono pochi soprammobili e più oggetti d’utilità.( ) | No Brasil: há um monte de banheiros, que são minúsculos; a geladeiras são imensas; as cozinhas e os banheiros são azulejados até o teto; não tem aquecimento; as janelas das casas têm grades; o cômodo mais importante é a sala, onde tem sempre um sofá e a TV. Às vezes se tem a impressão de que a casa seja mais um dormitório do que um lugar para passar agradavelmente o tempo, as casas têm poucos enfeites e mais objetos utilitários. |
Ao escolher a palavra casa, independentemente de seu contexto, tocam-se valores culturais fundamentais relativos ao espaço, ao tempo, à diferença entre público e privado, a questões relacionadas ao status e à composição familiar, a disposição e o valor dos objetos, o cuidado com os odores (cozinha e banheiro), a adaptação ao clima, entre outros.
Nos próximos artigos valaremos sobre alguns ambientes que merecem um destaque especial e sobre a limpeza das casas. Hoje, faremos um breve panorama de algumas características.
A maioria das casas italianas tem apenas uma porta de entrada que dá para um hall (em italiano, no feminino: la hall), enquanto as casas brasileiras têm duas entradas: a porta da sala e a porta da cozinha. No Brasil, as duas portas são comuns mesmo em apartamentos, algumas com acessos separados para elevadores sociais e de serviço. Na Itália, sobretudo nos apartamento, essa distinção não existe.
O hall de entrada é importante para deixar casacos, cachecóis, sapatos molhados antes de se entrar na sala, já que durante uma grande parte do ano (primavera, outono e inverno) é preciso realizar essa operação antes de sair de casa e quando se retorna.
A casa italiana é dividida em uma zona giorno que compreende a sala, a cozinha e o banheiro, e uma zona notte que compreende os quartos, ou seja, a divisão da casa é em duas partes, uma parte social e uma parte íntima.
No Brasil, a casa é dividida em área social, área de serviço e área íntima. Essa inclusão de uma parte “de serviço” que não é aberta às visitas e que, em alguns casos, é destinada apenas aos empregados, surpreende o italiano, que, mesmo pertencente à classe média alta, não tem “empregados”. Veja um dos depoimentos sobre essa divisão:
Parlando di appartamenti, la diversità che un italiano nota subito nella pianta [della casa brasiliana] è l’eterna presenza del “quarto da empregada”. Come italiana non abituata alla domestica, io lo detesto: non so cosa farmene. ( ) | E por falar em apartamentos, a diferença que um italiano nota já na planta, é a eterna presença do “quarto da empregada”. Como italiana não acostumada a ter uma empregada, eu o detesto: não sei o que fazer com ele. |
Hoje, na Itália, muitas famílias criam “la camera della badante”, o quarto para a cuidadora de idosos. A presença de um elevador de “serviço” e uma “porta de serviço”, porém, não é comum na Itália.
A área de serviço é um espaço fundamental na casa brasileira, praticamente inexistente nas casas italianas. Muitos brasileiros não conseguem compreender onde lavar e estender a roupa, já que não há um tanque, e a máquina de lavar fica na cozinha ou no banheiro.
Bagno e “banheiro” também seriam duas palavras que aparentemente poderiam ser equivalentes perfeitos. No entanto, é exatamente essa “falsa equivalência” que pode causar no turista brasileiro um desconforto ou até mesmo uma rejeição da cultura italiana.
O banheiro tem funções e “status” diferentes nas duas culturas. Para o brasileiro é um espaço íntimo, não compartilhado, confirmado pela existência de suítes (um banheiro em cada quarto), lavabo para os hóspedes e pelo banheiro da empregada. As janelas do banheiro geralmente são pequenas, no alto para oferecer a máxima privacidade.
Na Itália, o banheiro é um espaço compartilhado para a higiene, ou seja, em locais públicos encontramos muito frequentemente banheiros unissex. A família e os hospedes usam o mesmo banheiro. Até há alguns anos, havia hotéis com banheiro compartilhado por mais de um quarto: havia camere con e senza banho.
Muitos banheiros ainda têm a vasca da bagno [banheira] e para tomar banho é preciso ficar em pé dentro da banheira e lavar-se com a ducha, e o bidê faz parte da higiene íntima diária das famílias italianas. No banheiro pode haver janelas grandes, que permitem ver e ser visto, a privacidade é obtida pelas cortinas.
A maioria das casas, sobretudo os apartamentos, não têm lavanderia, a máquina de lavar fica no banheiro, roupas delicadas são lavadas à mão em uma bacia. Para a limpeza do chão, a água suja é jogada no vaso sanitário e enche-se o balde com água limpa na torneira da pia ou da banheira.
Nos dias quentes as roupas podem ser estendidas no terraço (terrazzi e balconi) ou pendurada para fora da janela. Nos dias frios, pode ser estendida dentro de casa, mas muitas famílias optam por comprar uma secadora.
VERBOS
Deixamos a conjugação de dois verbos relativos à casa: “morar e viver”. O primeiro é regular, pede o auxiliar avere, o segundo tem a forma do particípio irregular “vissuto” e aceita tanto o auxiliar essere quanto o auxiliar avere:
Sono brasiliano, ma vivo (abito) da tanti anni in Italia.
[Sou brasileiro, mas vivo (moro) na Itália há muitos anos.]
Ho abitato (sono vissuto) in Italia per due anni.
[Morei (vivi) na Itália por dois anos.]
Ho vissuto una bell’esperienza.
[vivi uma bela experiência.]
A Accademia della Crusca explica que tradicionalmente o verbo vivere no sentindo de morar deveria ser conjugado com o verbo essere, se o verbo viver tem um complemento (vivi uma bela vida), então deveríamos usar o auxiliar avere. Hoje, aceita-se o auxiliar avere em ambos os casos.
Modo infinito (Presente): ABITARE | (Passato): Avere abitato | ||
Modo indicativo | |||
Presente | Passato prossimo | Futuro semplice | Futuro anteriore |
(io) abito (tu) abiti (lui/lei) abita (noi) abitiamo (voi) abitate (loro) abitano | Ho abitato Hai abitato Ha abitato Abbiamo abitato Avete abitato Hanno abitato | Abiterò Abiterai Abiterà Abiteremo Abiterete Abiteranno | Avrò abitato Avrai abitato Avrà abitato Avremo abitato Avrete abitato Avranno abitato |
Imperfetto | Trapassato prossimo | Passato remoto | Trapassato remoto |
Abitavo Abitavi Abitava Abitavamo Abitavate Abitavano | Avevo abitato Avevi abitato Aveva abitato Avevamo abitato Avevate abitato Avevano abitato | Abitai Abitasti Abitò Abitammo Abitaste Abitarono | Ebbi abitato Avesti abitato Ebbe abitato Avemmo abitato Aveste abitato Ebbero abitato |
Modo condizionale | Modo imperativo | ||
Presente | Passato | Affermativo | Negativo |
Abiterei Abiteresti Abiterebbe Abiteremmo Abitereste Abiterebbero | Avrei abitato Avresti abitato Avrebbe abitato Avremmo abitato Avreste abitato Avrebbero abitato | — Abita (tu) Abiti (Lei) Abitiamo (noi) Abitate (voi) Abitino (loro) | — Non abitare (tu) Non abiti (Lei) Non abitiamo (noi) Non abitate (voi) Non abitino (loro) |
Modo congiuntivo | |||
Presente | Passato | Imperfetto | Trapassato |
Che io abiti Che tu abiti Che lui abiti Che noi abitiamo Che voi abitiate Che loro abitino | Che io abbia abitato Che tu abbia abitato Che lui abbia abitato Che noi abbiamo abitato Che voi abbiate abitato Che loro abbiano abitato | Che io abitassi Che tu abitassi Che lui abitasse Che noi abitassimo Che voi abitaste Che loro abitassero | Che io avessi abitato Che tu avessi abitato Che lui avesse abitato Che noi avessimo abitato Che voi aveste abitato Che loro avessero abitato |
Modo gerundio | Modo participio | ||
Presente | Passato | Presente | Passato |
Abitando | Avendo abitato | Abitante | Abitato |
Modo infinito (Presente): VIVERE | (Passato): Avere vissuto | ||
Modo indicativo | |||
Presente | Passato prossimo | Futuro semplice | Futuro anteriore |
(io) vivo (tu) vivi (lui/lei) vive (noi) viviamo (voi) vivete (loro) vivono | Ho vissuto Hai vissuto Ha vissuto Abbiamo vissuto Avete vissuto Hanno vissuto | Vivrò Vivrai Vivrà Vivremo Vivrete Vivranno | Avrò vissuto Avrai vissuto Avrà vissuto Avremo vissuto Avrete vissuto Avranno vissuto |
Imperfetto | Trapassato prossimo | Passato remoto | Trapassato remoto |
Vivevo Vivevi Viveva Vivevamo Vivevate Vivevano | Avevo vissuto Avevi vissuto Aveva vissuto Avevamo vissuto Avevate vissuto Avevano vissuto | Vissi Vivesti Visse Vivemmo Viveste Vissero | Ebbi vissuto Avesti vissuto Ebbe vissuto Avemmo vissuto Aveste vissuto Ebbero vissuto |
Modo condizionale | Modo imperativo | ||
Presente | Passato | Affermativo | Negativo |
Vivrei Vivresti Vivrebbe Vivremmo Vivreste Vivrebbero | Avrei vissuto Avresti vissuto Avrebbe vissuto Avremmo vissuto Avreste vissuto Avrebbero vissuto | — Vivi (tu) Viva (Lei) Viviamo (noi) Vivete (voi) Vivano (loro) | — Non vivere (tu) Non viva (Lei) Non viviamo (noi) Non vivete (voi) Non vivano (loro) |
Modo congiuntivo | |||
Presente | Passato | Imperfetto | Trapassato |
Che io viva Che tu viva Che lui viva Che noi viviamo Che voi viviate Che loro vivano | Che io abbia vissuto Che tu abbia vissuto Che lui abbia vissuto Che noi abbiamo vissuto Che voi abbiate vissuto Che loro abbiano vissuto | Che io vivessi Che tu vivessi Che lui vivesse Che noi vivessimo Che voi viveste Che loro vivessero | Che io avessi vissuto Che tu avessi vissuto Che lui avesse vissuto Che noi avessimo vissuto Che voi aveste vissuto Che loro avessero vissuto |
Modo gerundio | Modo participio | ||
Presente | Passato | Presente | Passato |
Vivendo | Avendo vissuto | Vivente | Vissuto |
Sobre a autora: Paola Baccin é docente nos cursos de graduação e pós-graduação em língua e literatura italiana da Universidade de São Paulo.