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Existe um tomate especialmente italiano, que só pode ser cultivado em um solo específico da Itália. É o chamado “pomodorino del piennolo del Vesuvio”, também conhecido apenas como “pomodorino vesuviano”.

“Piennolo” é uma referência ao método centenário de cultivo dos tomates, que, após a colheita, são pendurados em cachos, presos em cordas de cânhamo. “Piennolo” significa “pendulo” no dialeto napolitano.

Pomodorino Vesuviano

Esse pomodorino de Nápoles é um tomate cereja tão especial que, em 2009, recebeu a classificação DOP, uma sigla que significa Denominação de Origem Protegida, que serve para indicar os produtos agrícolas que têm vínculos fortes com a terra em que são produzidos. Essa classificação determina que cada etapa da produção deve ocorrer na região especificada.

Pomodorino Vesuviano
Pomodorino vesuviano pendurado em cachos

A principal razão desse valor cultural e gastronômico é que sua área de cultivo se encontra ao redor do Monte Vesúvio, justamente ao pé do vulcão, em um solo vulcânico que é rico em nutrientes essenciais, como potássio e fósforo, devido ao ciclo de matérias depositadas ali ao longo de milênios.

‌Parque Nacional do Vesúvio

Passeios turísticos por essa área são uma chance, portanto, de conhecer não apenas os vinhedos e as vinícolas que estão ao redor do Monte Vesúvio, mas também de degustar esses raros tomates, descritos como tendo uma polpa de grande consistência e um sabor unicamente agridoce.

Imagem aérea Vulcão Vesúvio
Imagem aérea Vulcão Vesúvio
Parque Nacional do Vesúvio
Parque Nacional do Vesúvio

O cultivo está na área de mais ou menos 130 quilômetros quadrados do Parque Nacional do Vesúvio. E a comuna mais próxima acrescenta uma razão especial para o interesse dos viajantes. Essa comuna chama-se Torre del Greco, conhecida por ter recebido, em meados do século 19, o poeta que é visto por muitos como o maior poeta italiano depois de Dante: Giacomo Leopardi.

Villa delle Ginestre Torre Del Greco Vesúvio
Torre Del Greco
Torre Del Greco Vesúvio
Torre Del Greco

A casa em que Giacomo Leopardi se hospedou pertencia a Giuseppe Ferrigni, cunhado de Antonio Ranieri, grande amigo de Leopardi. A área do casarão teve inicialmente o nome de Villa Ferrigni, mas foi rebatizada como Villa delle Ginestre, em referência ao título do poema que Leopardi escreveu ali, enquanto viveu o fim de sua vida, inspirado pelas pradarias, pela flores e pelo horizonte marcado pela silhueta imponente e temerosa do vulcão. O nome do poema carrega justamente o nome de uma flor amarela que é facilmente encontrada nascendo do solo ao redor do vulcão: La ginestra, o il fiore del deserto (A giesta ou a flor do deserto).

Giesta a flor do deserto do Vesúvio
Giesta, a flor do deserto

Poema A giesta ou a flor do deserto

Vamos ver a abertura do poema:

La ginestra, o il fiore del deserto

Qui su l’arida schiena

del formidabil monte

sterminator Vesevo,

la qual null’altro allegra arbor né fiore,

tuoi cespi solitari intorno spargi,

odorata ginestra,

contenta dei deserti. Anco ti vidi

de’ tuoi steli abbellir l’erme contrade

che cingon la cittade

la qual fu donna de’ mortali un tempo,

e del perduto impero

par che col grave e taciturno aspetto

faccian fede e ricordo al passeggero.

A giesta, ou a flor do deserto

[tradução de Luiz Antônio Lindo]

Aqui sobre a árida encosta

do formidável monte

exterminador Vesúvio,

onde nada mais cresce, árvore ou flor,

tuas moitas solitárias ao redor espalhas,

perfumada giesta,

feliz com o deserto. Também te vi

com tuas hastes enfeitar os ermos caminhos

que rodeiam a cidade,

a qual foi senhora dos mortais um dia,

e do perdido império

parecer pelo grave e taciturno aspecto

servir de prova e advertência ao que passa.

‌Destaques de italiano

Com a pesquisa empreendida pelo próprio tradutor, é possível destacarmos efeitos interessantes no emprego de algumas palavras. É o caso de 3 palavras que vimos nestes primeiros 13 versos: arborallegra e anco.

  1. O vocábulo “arbor” é do latim (arbore -> árvore) e foi empregado no lugar de “albero”, que seria mais usual no italiano.
  2. O uso de “allegra” é referente a “allegrare”, no sentido geralmente dito sobre as plantas, de “crescer”, “prosperar”. É uma palavra que, numa leitura rápida, poderia parecer ter apenas o sentido que encontramos em “alegrar” e “alegria”.
  3. “Anco” é uma forma antiga de “anche” (também).

Quarentena

Leopardi se mudou para a vila em Torre del Greco buscando, acima de tudo, uma quarentena, para ficar longe o suficiente da epidemia de cólera que se espalhou em Nápoles em 1836.

A colina onde a casa foi construída é localizada em uma área caracterizada pelo acúmulo de fluxos de lava e das giestas que inspiraram o poeta.

Escrito em 1836, o poema foi publicado depois da morte do autor, em 1845, em uma edição organizada e corrigida, seguindo o último entendimento do autor, sob os cuidados do amigo Antonio Ranieri.

Villa delle Ginestre Vesúvio Leopardi Giacomo
Villa delle Ginestre

Villa delle Ginestre tornou-se um ponto turístico, muito aproveitado também por residente durante planejamentos de excursões escolares. Além da vista para o Vesúvio e dos jardins com giestas, é possível visitar e adentrar também a casa onde Leopardi viveu por um breve período.

Vesúvio Leopardi Giacomo
Giacomo Leopardi

Uma das características da alma italiana é ter uma formação geológica e uma história que mesclam infortúnios e desafios civilizatórios determinantes para a construção de uma identidade resiliente, corajosa e criativa. Naturalmente, também através da poesia encontraremos essas marcas que podem inspirar nossas ações e nossos pensamentos.

Após uma leitura completa dos versos, é notável o convite que Leopardi nos faz para olharmos na direção da beleza que há na fragilidade da flor e da vida que desabrocha tão perto dos perigos – como no caso do perigo de erupções do vulcão que já havia destruído Pompeia e Herculano em 79 d.C. Assim o poeta nos posiciona para olharmos para a nossa própria posição diante da natureza e, também, para os nossos valores cegos de progresso.

Se aceitarmos o fato de que não estamos acima da natureza, o bom cultivo de tudo aquilo que nos mantém em comunhão com a natureza é a única resposta consciente que podemos dar em nosso dia a dia.

A terra que é destruída pela lava é também a terra que se torna especialmente fértil para o cultivo de alimentos. É a terra que vibra com o amarelo de uma flor e que inspira o olhar da poesia. É a terra que nos convida a viajar e a aprender os sons e os significados que outro idioma nos guarda como herança.