Partícula “NE”
Preciso mesmo usá-la em italiano?
Muitas vezes parece que entre uma língua e outra mudam apenas as palavras. Por isso, temos a sensação de que traduzir seja uma boa estratégia de aprendizagem e, muitas vezes, justificamos a nossa dificuldade de falar apenas pela falta de vocabulário.
As palavras são os tijolos da língua. Além dos elementos gramaticais, que são o cimento para uni-las, precisamos calcular como combinar esses componentes com tantos outros para ter uma construção completa que sustente o queremos dizer.
Português e italiano vieram do latim, mas cada língua construiu um percurso próprio. Pense na diferença entre o português brasileiro atual e o português europeu. O que houve com a nossa língua nesses quinhentos anos? Como um filho que percorre seu próprio caminho, as línguas também evoluem e se tornam diferentes de suas irmãs.
Um aluno brasileiro “aceita” que possam existir diferenças entre a sua língua e o chinês, o japonês, o russo, o árabe, mas, de forma inconsciente, “questiona” as diferenças estruturais entre o português e o italiano.
Hoje falaremos de uma particella pronominale que “assombra” o aluno brasileiro: o ne. O problema que se coloca não é compreender quando ou como deve ser usada, uma vez que o seu emprego segue uma lógica bastante clara. O nosso cérebro, porém, não consegue entender porque devemos usá-la, já que em português “passamos muito bem” sem ela.
Será que no nosso idioma também não temos elementos que podem parecer “inúteis” aos falantes de outras línguas? Para alguns deve ser difícil entender porque dizemos “eu vou, você vai, nós vamos” se poderíamos dizer apenas “eu ir, você ir, nós ir”. Veja que a compreensão é possível, e a construção seria muito mais simples!
Os verbos em italiano têm algumas regras que os verbos no português brasileiro não precisam seguir. Por exemplo, os elementos que completam o sentido de um verbo precisam estar sempre explícitos. Em português isso não é necessário, basta o contexto. Veja:
Português brasileiro | Italiano | |
Você leu o jornal? Li. (Eu o li). | Hai letto il giornale? Sì, l’ho letto. ( |
Quem lê, pode ler alguma coisa, ou seja, o verbo ler aceita um complemento para fazer sentido e esse complemento não pode ser omitido em italiano. Por isso precisamos usar sempre um pronome junto a esses verbos quando o complemento não for explícito.
NE = di qualcosa, di qualcuno
O ne também substitui elementos para que o verbo não fique “sozinho”. E quais seriam eles?
O primeiro é di qualcosa [de alguma coisa] ou di qualcuno [de alguém], ou seja, um complemento introduzido pela preposição di.
O falante brasileiro também sente, muitas vezes, a necessidade de completar o sentido do verbo e “traduz” di qualcosa por “di questo”. Em italiano essa construção não é comum, em seu lugar emprega-se o ne:
È stato un vero amico, non me ne dimenticherò mai.
[Ele foi um verdadeiro amigo, nunca me esquecerei (disso).]
Uma dica: evite traduzir literalmente do português:
non mi dimenticherò mai di questo.
Ne substitui “che è stato un vero amico”. A frase completa poderia ser:
Non mi dimenticherò mai che è stato un vero amico.
Ou seja: Non mi dimenticherò mai di questa cosa.
Como saber se é preciso usar o ne?O elemento que indica que devo usá-lo é o verbo dimenticarsi, porque chi si dimentica, si dimentica di qualcosa ou di qualcuno. [quem se esquece, se esquece de alguma coisa ou de alguém].
Vejamos mais exemplos:
Com o verbo soffrire [sofrer]:
Il mal d’autunno, clinicamente definito Seasonal Affective Disorder (SAD), crea ansia e malumore e ne soffre un italiano su dieci.
[O “mal de outono”, clinicamente definido Seasonal Affective Disorder (SAD), cria ânsia e mau-humor em um a cada dez italianos sofre desse mal.]
O verbo soffrire pode ter um complemento introduzido pela preposição di:soffro di mal di testa, ne soffro da quando ero bambino [sofro de dor de cabeça, sofro desde criança]. No exemplo, ne soffre un italiano su dieci, significa que um a cada dez italiano sofre di questo male.
Com o verbo sapere [saber]:
Um mesmo verbo pode ter mais de um tipo de complemento.
Pode-se saber algo – sapere qualcosa:
Augusto: Sai che Alessandro ha cambiato lavoro?
Cristina: Sì, lo so. (So questa cosa).
Filippo: Io invece non lo sapevo. (Non sapevo questa cosa.)
[Augusto: Você sabe que o Alessandro mudou de emprego?
Cristina: Sim, eu sei.
Filippo: Eu não sabia.]
Pode-se também saber algo sobre – sapere qualcosa di:
Augusto: Alessandro ha cambiato lavoro. Ne sai qualcosa?
Cristina: Non ne so niente. (Non so niente di questa cosa.)
[Augusto: Alessandro mudou de emprego. Você sabe de alguma coisa? Cristina: Eu não sei de nada.]
Se o contexto está claro, o falante do português brasileiro não sente a necessidade de explicitar o elemento que complementa o verbo. Essa diferença fundamental entre as duas línguas exige muita atenção no momento da comunicação, para nunca deixar um verbo transitivo sem o seu complemento explícito ou na forma de pronome.
Como vimos pelos exemplos acima, o emprego de ne pode depender do verbo. Vejamos o que acontece com os verbos dire, pensare e parlare.
Com o verbo dire [dizer]:
E allora, che ne dici? Andiamo o no al concerto?
[E, então, o que você acha? Vamos ou não ao show?]
Te lo dico più tardi.
[Falo para você mais tarde.]
No primeiro exemplo pergunta-se a opinião sobre alguma coisa, mais uma vez, ne substitui di questa cosa.
A segunda frase completa seria: Ti dico quello che penso al riguardo più tardi. Observe que aqui não há a preposição di, por isso não usamos o ne. Lo substitui “quello che dico”. Percebemos, então, que um mesmo verbo pode ter vários tipos de complementos.
Com o verbo pensare [pensar]:
O verbo pensare também aceita mais de um complemento.
O complemento pode ser introduzido pela preposição a:
Penso a quello che mi ha detto. Ci penso sempre.
[Penso naquilo que ele me disse. Penso sempre naquilo.]
Penso a te. Ti penso.
[Penso em você.]
Ou pode ser introduzido pela preposição di e, nesse caso, pode ser substituído por ne:
Che ne pensi? Coraggio! Esprimi la tua opinione.
[O que você acha (disso)? Coragem! Diga a sua opinião.]
Com o verbo parlare [falar]:
O verbo parlare pode ter vários complementos e, a cada um, corresponderá um pronome:
Parlare una lingua [falar uma língua]
Parli l’italiano? Sì, lo parlo. | Você fala italiano? Sim, falo. |
Parlare con qualcuno [falar com alguém]
D’accordo, ci parlo io. | Está bem, eu falo com ele. |
Parlare a qualcuno [falar para alguém]
Io gli parlo, ma lui non mi risponde. | Eu falo com ele, mas ele não responde. |
Pode-se também falar de alguma coisa. E eis aí, de volta, o nosso di qualcosa que pode ser substituído pelo ne:
Parlare di qualcosa
Adesso non ho tempo, ne parliamo più tardi. | Agora não tenho tempo, falamos sobre isso mais tarde. |
Por fim, pode-se falar de algo a alguém:
Parlare di qualcosa a qualcuno
Lui non mi sopporta, parlagliene tu. | Ele não me suporta, fale você (sobre isso) com ele. |
Non ne vedo la necessità.
[Não vejo a necessidade disso.]
Che cosa vuoi che ne faccia?
[O que você quer que eu faça com isso!]
NE = da quel luogo, da quella situazione, da quella cosa
Em alguns casos ne pode substituir também elementos introduzidos pela preposição da: da quel luogo, da quella situazione, da quella cosa [daquele lugar, daquela situação, daquela coisa]:
È arrivato a Roma il mercoledì e ne è ripartito dopo due giorni.
[Chegou em Roma na quarta-feira e partiu (dali) no dia seguinte.]
ne = da Roma (da quel luogo).
È una situazione difficile, ma sono sicuro che ne uscirai a testa alta.
[É uma situação difícil, mas tenho certeza de que você vai sair dela de cabeça erguida.]
ne = da quella situazione.
Ho letto il racconto e ne sono rimasta colpita.
[Li o conto e fiquei impressionada.]
ne = dal racconto (da quella cosa).
NE em verbos reflexivos
A particella ne pode compor alguns verbos reflexivos que são conjugados normalmente e têm um significado autônomo.
Fregarsene [importar-se com alguma coisa]
Recenti studi confermano che i gatti sono in grado di comprenderci, ma non gliene frega niente. | Estudos recentes confirmam que os gatos conseguem nos entender, mas eles não estão nem aí (para isso). |
Andarsene [ir embora, partir]
Basta, non ne posso più, me ne vado. | Chega, não aguento mais, vou embora. |
Dimenticarsene [esquecer-se de algo]
Grazie di quello che hai fatto per me, non me ne dimenticherò mai. | Obrigada pelo que você fez por mim, eu nunca vou esquecer. |
Approfittarsene [aproveitar-se de algo ou de alguém]
È troppo buono e la gente se ne approfitta. | Ele é muito bom e as pessoas se aproveitam dele. |
Rendersene conto e accorgersene [perceber, notar]
Una faccia tosta come lui non se ne renderà mai conto. | Que nada, um cara-de-pau como ele não consegue perceber. |
Farsene [fazer algo com alguma coisa]
Mi hanno regalato un pappagallo e ora non so che farmene. | Recebi um papagaio de presente e agora não sei o que fazer com ele. |
Ne e as quantidades
Ne pode indicar uma quantidade, uma parte de um todo que pode ir de nessuno(a) [nenhum] a molti(e), tanti(e) [muitos, tantos] e similares, ou a um numeral qualquer.
Para a pergunta “quantos cigarros você fuma por dia?” são possíveis todas as respostas abaixo:
Quante sigarette fumi al giorno?
Non ne fumo nessuna, il fumo, non lo sopporto.
[Não fumo nenhuma, não suporto os cigarros.]
Ne fumo una dopo cena.
[Fumo uma, depois do jantar.]
Ne fumo due: una dopo pranzo e un’altra dopo cena.
[Fumo duas: uma depois do almoço e outra depois do jantar.]
Ne fumo molte. Ne fumo tante. Ne fumo parecchie.
[Fumo muitas.]
Atenção:
Compro un pacchetto e le fumo tutte. (totalidade)
[Compro um maço e fumo todas.]
Para indicar o todo (tutto, tutta, tutti ou tutte) não se emprega ne, mas la, lo, li ou le. Ne indica sempre uma parte, por isso é chamado também de partitivo.
Particella ne e o verbo esserci
Com o verbo esserci [há, existe], que é conjugado apenas na terceira pessoa do singular e do plural, o ne é inserido entre ci e o verbo essere e é apostrofado antes da letra e:
C’è un cinema. Ce n’è uno.
Ci sono molte chiese. Ce ne sono molte.
C’era tanta gente. Ce n’era tanta.
C’erano parecchie persone. Ce n’erano parecchie.
A esse ponto você deve concordar que compreender a lógica por trás do uso do ne não é difícil. É preciso, porém, convencer a nossa mente, que pensa em português, a usá-lo na comunicação. Como fazer isso? Bem, cada um tem a sua estratégia de aprendizagem: observar o emprego do ne nos filmes, jornais, livros; pedir para que o professor corrija explicitamente a falta do ne e fazendo exercícios.
Textos e foto: Paola Baccin
Desenhos: Airam Ribeiro
Preparamos uma atividade que você pode encontrar em:
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