Provérbios italianos revelam muito da tradição do formaggio na Itália
Provérbios são especialmente valiosos para se aprender sobre o idioma, a culinária e a cultura italianas. E não se trata simplesmente de aprendermos versões italianas de ditados já conhecidos em outras línguas. É, na verdade, a chance de descobrirmos ideias que não estão registradas em provérbios de nenhum outro idioma!
Provérbios italianos
Para começar, vamos ver um provérbio fácil de se compreender, e que pode ser usado como resposta bem humorada em conversas do cotidiano. Envolve um alimento que, como veremos, está muito presente em outros provérbios italianos, o queijo.
“Anche il groviera ha i buchi e non si lamenta.”
(Até o gruyere tem buracos e não reclama.)
Esse provérbio, relativamente novo na longa lista de provérbios italianos, é atribuído ao ator italiano de comédias chamado Totò, conhecido por filmes como I soliti ignoti (Os eternos desconhecidos), de 1958.
Outras centenas de provérbios, porém, datam de séculos atrás e ninguém pode sequer imaginar de quem teria sido a autoria. Alguns não são facilmente traduzíveis porque expressam ideias de contextos que não estão presentes no nosso dia a dia. Veja o desafio de tentar traduzir o seguinte provérbio:
“Formaggio e ricotta fanno le leggi storte.”
Se traduzirmos ao pé da letra, fará sentido? Vamos tentar:
Queijo e ricota fazem as leis tortuosas.
Traduzir não é o suficiente para concluirmos o sentido e o contexto dessa frase. Sem acesso a uma pesquisa detalhada, só nos restaria imaginar, talvez até inventar sentidos. Isso nos aponta uma direção importante. Existe alguma coisa especialmente italiana e histórica nesse e em outros provérbios que surgiram há séculos na Itália? É o que veremos.
Antes de mais nada, é claro que também em italiano encontramos muitos ditados cheios de metáforas, que comunicam aquilo que em português já nos acostumamos a falar quando queremos criar sentidos em variados contextos. Por exemplo:
Cane che abbaia non morde.
(Cão que ladra não morde.)
Non tutto il male viene per nuocere.
(Há males que vêm para o bem.)
Chi va piano va sano e va lontano.
(Devagar se vai longe.)
Chi troppo vuole nulla stringe.
(Quem tudo quer, tudo perde.)
Acontece que, no caso de outros muitos provérbios italianos, descobrimos que nem todos são inventados para servir como metáforas úteis em contextos diversos. Alguns ditados seriam registros pontuais sobre um pensamento, sobre uma qualidade, sobre um perigo, sobre os benefícios de uma prática. Podemos encontrar muitos desses valiosos registros no Dicionário de provérbios italianos – 6.000 verbetes e 10.000 variantes dialetais, de R. Schwamenthal e M. L. Straniero. Diante de números tão grandes, é natural então percebermos que a linguagem dos provérbios, desde a Idade Média, também é utilizada para guardar e transmitir a importante herança da culinária italiana.
Estudiosos da área, como Giovanni Ballarini, professor da Universidade de Parma, encontraram mais de 300 expressões idiomáticas e provérbios referentes a alimentos. O que comprova que o ato de comer tornou-se mais do que um fato biológico, mas um ação simbólica na comunicação dos italianos, que se viram capazes de criarem sentido, registrarem conhecimentos e passarem adiante costumes e práticas – em alguns casos até mesmo para garantir boas maneiras no cuidado da saúde, como no seguinte provérbio:
“Il formaggio è cibo sano se ne mangi poco e piano.”
(O queijo é um alimento saudável se você comer pouco e devagar.)
Uma curiosidade que Giovanni registrou em seus estudos é que, entre tantas expressões referentes a comida, queijos ocupam um lugar de destaque, com 36 provérbios dedicados a eles.
Essa possibilidade de tornar a alimentação um tema recorrente revela um cuidado e uma sabedoria: frases curtas podiam ser facilmente memorizadas e repassadas de boca em boca, de geração em geração, para então servirem como receitas, destacando qualidades de certos alimentos e fazendo alertas de perigos na alimentação. Um livro que se aprofundou no tema é de autoria de Terence Scully, intitulado The Art of Cookery in the Middle Ages (A arte da culinária na Idade Média), onde foram reunidas centenas de provérbios de conteúdo alimentar da tradição medieval.
Por isso é tão importante notarmos que alguns provérbios podem ter surgido não apenas como metáforas para outros saberes da vida. Alguns que veremos têm características de exaltação de uma prática muito repetida ou de uma atenção aos prazeres de uma boa alimentação.
A sabedoria morava nos provérbios
Dalla tavola non alzarti mai se la tua
bocca non ha assaporato il formaggio!
(Nunca se levante da mesa se sua boca ainda não provou o queijo!)
A frase acima é uma representação bem humorada de uma prática sendo valorizada, quase como um “bom costume”, uma “etiqueta” da boa refeição e das boas maneiras. Isso significa que a linguagem, por meio da repetição de certas falas, ajuda a construir a identidade de um povo. Também no português, é claro, temos casos em que ouvimos ditados repassados de geração em geração. É como se estivéssemos diante de um guia, escutando as palavras que indicam como é que se deve continuar agindo através dos tempos. No caso da cultura italiana, os provérbios que fazem referência à alimentação demonstram como os conhecimentos acerca dos alimentos eram especialmente valorizados e conservados.
O professor Giovanni Ballarini, em uma de suas notas sobre o assunto, se refere a alguns desses provérbios de queijos como sendo “provérbios-lembretes”, que podiam registrar dicas de culinária, com ensinamentos de truques para a melhor seleção de ingredientes que pudessem garantir o preparo de pratos deliciosos. Outro bom exemplo é: “Formaggio non guasta sapore” (“O queijo não estraga o sabor”).
Assim, diz o professor, os italianos podiam se apresentar como cozinheiros voluntários, exaltando prazeres do paladar, muitas vezes com bom humor, trocando receitas e garantindo a tradição de se partilhar momentos festivos à mesa. O professor também destaca as palavras de Piero Camporesi (historiador e antropólogo italiano, que lecionou literatura italiana na Universidade de Bolonha), que escreveu sobre o valor do provérbio no tempo em que a escolarização não era acessível à vasta parcela da população. Nas palavras do professor, Camporesi diz que “no mundo analfabeto como o camponês, o provérbio condensa o conhecimento do grupo”.
Formaggi per tutti i gusti
Existem tantos provérbios italianos citando alimentos que não seria possível analisar cada um deles aqui, mas vamos finalizar vendo de perto mais três deles, referentes ainda a queijos. E são provérbios que abrem portas para fatos históricos.
“Se la cena non basta alle attese, il formaggio ne paga le spese.”
(Se o jantar não atender às expectativas, o queijo paga a conta.)
Essa pode ser lida literalmente como exaltação do queijo como um elemento do prato que é difícil de errar. Se tudo estiver mal preparado, pelo menos o queijo será saboroso.
“Il formaggio sulla zuppa non guasta mai.”
(Queijo na sopa nunca é demais.)
Essa tem cara de receita. E eu particularmente concordo. Queijo derrete na sopa quentinha e sempre acrescenta sabor especial! Mas é um ditado que nos remete ao tempo medieval e conta sobre um momento em que havia poucos recursos para a alimentação. Na falta de ingredientes, o queijo podia ser a garantia de sabor numa sopa simples.
“Cadere come il cacio sui maccheroni.”
(Cai como queijo no macarrão.)
Teria provérbio de queijo mais italiano do que este? É quase uma lei garantir que não falte um queijo ralado por cima da macarronada. Consigo até ver em câmera lenta. Também podemos imaginar funcionando como metáfora para expressar toda e qualquer coisa que “cai bem”, uma feliz coincidência do dia a dia, que completa uma situação e cai tão bem quanto um queijo no macarrão.
Mas também podemos descobrir nesse provérbio as origens do consumo de massa em Nápoles. O maccheroni era cozido na rua e comido com as mãos. E qual era o tempero jogado diretamente sobre a massa? O queijo. O complemento essencial.
“Formaggio e ricotta fanno le leggi storte.”
(Queijo e ricota fazem as leis tortuosas.)
Nessa aqui, confesso, não vou nem me arriscar. Deixo para vocês como desafio para imaginação. O que será que poderia significar?!
Agora, para compensar o mistério desse último provérbio e falarmos do sabor do formaggio e da ricotta, aproveite para viajar comigo e conhecer de perto justamente uma produção de formaggio na zona de Chianti, na Toscana! É só clicar para assistir nossa descoberta das etapas de produção de queijo artesanal, do formaggio fresco e da ricotta!
Buona visione!
A presto
Fontes
(Aproveite para continuar sua leitura em italiano!)
(https://www.seminarioveronelli.com/2021/il-formaggio-sulla-bocca-di-tutti/)
(https://www.ruminantia.it/i-proverbi-del-formaggio/)